Amor romântico

“Só o amor incompleto pode ser romântico.”

servido por: Priscilla Soares

“Só o amor incompleto pode ser romântico.”

Assim divagou uma das personagens do filme de Woody Allen sobre o amor.

Intriga-me pensar que os grandes amores não tenham futuro, não sejam eternos. O grande amor, o amor arrebatador será sempre aquele nunca realizado… ou nunca vivenciado em plenitude. A idealização é sempre mais mágica. Ama-se pelo mistério ou pelo tormento que o outro provoca em nós.

“Amo, logo existo” pode ser algo pouco imaginativo, mas não está longe de ser verdade. É no amor que encontramos e fazemos nosso lugar no mundo, pelo processo de formação de identidade, pela concentração de todas as nossas energias e atenção num só indivíduo, que é, ao mesmo tempo, outro e uma parte muito importante de nós mesmos.

O que chamamos de amor é criação mútua de autoidentidade.

Sexo, solidão, intimidade e privacidade desempenham um papel essencial no amor. Em parte, porque é quando estamos, ao mesmo tempo, sozinhos e nus, que o eu poderia apreciar especialmente sua incompletude e a importância da identidade partilhada.

Ao contrário dos idealistas, o autor Robert C. Solomon, por exemplo, se recusou a ver, no amor, uma orgia egoísta, disfarçada de cuidado para com o próximo. Ele concorda que esse sentimento é um artefato cultural e não uma emoção inata, como quer o idealismo.

O amor romântico só pode existir em sociedades onde os indivíduos, desde o nascimento, têm os vínculos emocionais cortados da rede cultural mais ampla. Este retraimento da subjetividade, no entanto, não significa obrigatoriamente insensibilidade em relação ao outro.

Ao inventar o amor romântico, inventamos um remédio para essa cisão precoce entre indivíduo e a tradicional orientação holística da cultura.

O indivíduo contemporâneo perdeu os suportes tradicionais de doação de identidade e é levado a se redescrever constantemente para se reassegurar do que, em si, é digno de inclusão na imagem do eu. Essa insegurança constitutiva da subjetividade moderna encontra, no amor, um lugar de repouso. Na relação amorosa, mais do que em qualquer outra, ganhamos um tipo de certeza que pacifica a inquietude da reconstrução de si, sem garantia de amanhã.

“A maior parte do mundo vê nossas fantasias românticas como uma fonte de caos social e irresponsabilidade, como causa de muita infelicidade e como a razão por trás da impressionante taxa de divórcios e do enorme número de pessoas mais velhas, sobretudo mulheres, que se encontram abandonadas numa cultura particularmente insensível e inconsequente.” (Jurandir Freire).

Nossa ênfase no ROMANCE encoraja a vaidade em detrimento da camaradagem, a reclusão em vez da comunidade, o capricho em vez da responsabilidade e a excitação emocional em vez da estabilidade social. O resultado parece ser o de uma cultura fragmentada, frustrada e solitária, justamente porque é romântica. Até que reinventemos uma forma de amor romântico que responda tais acusações, deveríamos ser humildes quanto ao nosso entusiasmo por ele.

O amor romântico tem apenas três séculos de existência. É uma emoção filha do “individualismo afetivo”, da privacidade e da intimidade burguesa, e não tem porque ficar imóvel quando seu chão cultural se deslocou imensamente do ponto de origem.

E para a trilha do post… Cazuza.

“O teu amor é uma mentira
Que a minha vaidade quer
E o meu, poesia de cego
Você não pode ver

Não pode ver que no meu mundo
Um troço qualquer morreu
Num corte lento e profundo
Entre você e eu

O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba a gente pensa
Que ele nunca existiu”