Getúlio: 60 anos depois

“Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”
Logo pela manhã (agitada) do dia 24 de agosto de 1954, ouviu-se um estrondo no quarto de Getúlio Vargas no Palácio do Catete, a sede presidencial. Os filhos Lutero e Alzira correram para o cômodo e lá viram o corpo do pai estendido na cama, quase caindo ao chão, com sangue no peito.
O estrondo que ouviram havia sido um tiro de um revólver calibre 32, que o próprio Getúlio Vargas havia desferido em si. Ao lado do corpo, na cabeceira, uma carta lacrada, era o testamento, que, horas mais tarde, foi lido nas rádios de todo território brasileiro, tornando o então falecido presidente num símbolo da nossa história nacional.
Leia este trecho retirado da carta-testamento:
“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. (…)
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.
Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação.
Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém.
Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”
Não se faz necessário analisar se o período getulista foi bom ou ruim. Esse tipo de maniqueísmo inexiste quando analisamos o legado. E também é importante destacar que não houve apenas um modelo de governo estabelecido por Getúlio Vargas, mas, sim, diferentes versões de um mesmo político. Só na primeira passagem pelo cargo presidencial, foram três fases: governo provisório, constitucional e ditadura.
Passadas seis décadas do suicídio de Getúlio Vargas, o legado permanece vivo na política, na economia e na estrutura social brasileira. Devido a esse fato, é importante destacar a figura de Getúlio – na história desse país – como um dos principais estadistas que estiveram à frente do governo federal brasileiro.
A morte do “pai dos pobres” elevou Getúlio como um símbolo nacional. O apelido faz jus a política populista do segundo mandato presidencial, onde conseguiu beneficiar muitos trabalhadores e, por causa desta ideologia, propôs políticas inovadoras, acarretando fortes críticas de setores mais conservadores.
Getúlio não é passado, é presente. Iniciou o período de industrialização no Brasil quando construiu a CSN e a CVRD (Vale hoje em dia), com forte apoio de capital externo. Criou a Petrobras, a Eletrobras, instituiu as leis trabalhistas, salário mínimo e o voto feminino. Ou seja, foi vanguardista, mesmo que tenha atravessado um período obscuro, repleto de autoritarismo, tal como foi a ditadura estadonovista (1937–1945).
Gaúcho de São Borja, Getúlio Vargas ocupou a presidência pela primeira vez em 03 de novembro de 1930, ao final de uma revolução que decretou o fim da chamada república do café com leite, onde as oligarquias de Minas e São Paulo dominavam a estrutura econômica e política nesse país. Saiu do poder na década de 1950, em meio a uma crise institucional envolvendo a tentativa de assassinato do governador Carlos Lacerda, principal rival político dele. O legado de Getúlio é um patrimônio, um marco para a história nacional, portanto digno de ser lembrado no mês que se completam 60 anos da morte dele.