Carnaval literário
O carnaval já acabou. Para a tristeza de muitos. Outros diriam: já foi tarde. É inegável que o carnaval é importantíssimo para o Brasil e, particularmente, para o Rio de Janeiro.
O carnaval carioca é uma explosão de alegria, suor, música, irreverência e criatividade. Tantos os blocos, quanto as escolas de samba, são verdadeiros espetáculos a céu aberto. Em compensação, deixa a cidade superlotada, os restaurantes não dão conta de tantos clientes, lixo para todo lado, os mercados não têm comida, fora os trombadinhas.
Uma coisa é evidente, o carnaval destrói preconceitos de raça e sociais. Nessa sopa, os ingredientes são misturados durante quatro dias de ilusão. Quatro dias nada, hoje é quase um mês. Se der para esticar um bocadinho mais… sempre tem alguém tentando.
Os eventos pós-folia vêm acontecendo com mais frequência. No Facebook, os blocos e as escolas de samba continuam atuando e convidando as pessoas para o carnaval fora de época. Ernest Hemingway afirmou que Paris é uma festa. Acho que ele está errado. O Rio é uma festa.
A literatura já captou a força do carnaval: escritores brasileiros já escreveram muito sobre o tema, inclusive estrangeiros. O austríaco Stefan Zweig ficou encantado com os nossos festejos. Para ele, o Brasil era o país do futuro. Será?
Dois importantes escritores brasileiros descreveram muito bem o carnaval do Rio. Um amava… o outro, odiava com todas as forças. Falo de João do Rio e Lima Barreto. A dupla soube como ninguém descrever o Rio de Janeiro durante a Belle Époque, no início do século XX.
As opiniões opostas deixam claro que o carnaval é um ponto nevrálgico na cidade de São Sebastião. Seguem dois trechos dos mestres:
Carnaval é uma festa a data fixa. O seu interesse está no seu limite: esperar o ano inteiro para brincar só quatro dias de uma certa maneira.
Uma senhora arvora a moda da saia curta? A parte feminina da cidade anda de saia curta – cada vez mais curta!
Carnaval do Rio, momento supremo de loucura! Como eu te vejo contente, e cara suada, o pijama sobre a pele, o riso no lábio, o entusiasmo de cada artéria a luzir-te de olhar! Como eu compreendo, ó mocidade da alma urbana, ó fênix da alegria, a tua precipitação, o arranco com que vais para a rua!
Carnaval do Rio, a gargalhada desesperada!
(Trechos de crônicas de João do Rio, 1916)
“…atualmente, fugiria do carnaval do Rio de Janeiro, que não se pode agora assistir em são e perfeito juízo. (…) o que me aborrece mais no atual carnaval é a conclusão a que fatalmente chego ao ouvir cantigas, sambas, fados, etc. (…) nenhuma inteligência, falta-lhe por completo o senso comum. (…) na impossibilidade, devido à polícia, de entoarem coplas francamente pornográficas e porcas, não têm os rapsodos carnavalescos outro recurso senão lançarem mão de estribilhos e cantigas sem nexo algum.”
(Lima Barreto, 1920)
Fontes: “Crônicas efêmeras” – Paulo Barreto & “Antologia de crônicas” – Lima Barreto