A morte é feia, gelada e suja
Eu sou doente. Na verdade, esta é uma afirmação forte, difícil saber se sou ou se estou, mas a questão é que convivo com a depressão há alguns anos e é sobre ela que preciso falar.
Eu precisava escrever este texto.
Sobre o teor químico e/ou psíquico desta doença, tenho pouco ou nada a acrescentar, frente aos relatos e estudos disponíveis na internet. Tudo que posso falar é sobre o impacto prático na vida.
Depressão é uma doença silenciosa e incrivelmente eficaz. Lentamente, ela lhe leva a lugares obscuros da sua existência, sem pressa. Um dia, você está chorando com propaganda de TV. No outro, está desviando seu caminho para o trabalho e entrando numa loja de materiais de construção; saindo de lá com uma caixa de veneno para ratos; tomando o caminho de volta pra casa; para lá, consumir seu mais novo e macabro produto.
A pior parte é descobrir que existem várias formas de falhar no suicídio. Você é um incompetente até nisso. Mas, na sua jornada, você encara a morte de verdade e descobre que ela é feia, gelada e suja. Não tem nenhuma poesia nisso e você está sozinho.
Em algum momento, você vai desconfiar que esteja doente. Afinal, você não é tão burro, mas ela, a depressão, faz você acreditar que não é bem assim e que a culpa não pode ser só dela. Faz você acreditar que muitas decisões erradas (que tomou) foram suas, porque – no fundo, de alguma maneira – você gostaria de fazer aquilo. Alguns de seus amigos vão, inclusive, reforçar este coro.
Ela afasta os amigos mais próximos e testa a paciência dos que decidem ficar. Acredite, poucos ficam e você não se importa.
O tratamento é lento e, apesar de moderno e funcional, é preciso fazer vários testes de resposta à medicação e, trocando em miúdos, você se torna um tubo de ensaio por um tempo.
Você não se importa com mais nada e tem vontade de não tentar o próximo comprimido ou ir para a próxima sessão de terapia. Desistir da porra toda.
Aqui também cabe uma questão ética. Muita gente é diagnosticada com depressão atualmente, pois o diagnóstico depende apenas do que você fala para o médico e existe uma glamourização bizarra em torno da doença.
Já você, tem o azar de passar por médicos que atuam como numa linha de produção, lhe receitam os remédios mais comuns, aqueles que resolvem os problemas das pessoas com níveis mais leves da doença. Isso atrasa seu tratamento, mas – neste ponto – você duvida mesmo que haja alguma solução, acha que a vida é isso mesmo, ninguém entende como você se sente, seu remédio não lhe ajuda. Foda-se.
O tempo passa e, um dia, a neblina dispersa sorrateiramente, com a mesma sutileza que a depressão chegou. Ela sai sem fazer alarde. Não dá para dizer que foi embora para sempre, mas ela se esconde longe das vistas. Há esperança.
Por que estou escrevendo sobre isso?
Bem, alguns amigos próximos estão se deteriorando. Um deles tentou se matar recentemente. Outro, se recusa a procurar tratamento e tem mais um, que tem noção da condição dele, mas está precisando de um empurrão mais forte do que consegui dar até agora.
Em qualquer lugar que você pesquise, é sempre dito que, falar sobre isso, ajuda. Escrever sobre isso, talvez ajude alguém. Eu gostaria de poder salvar todo mundo.
Eu preciso ajudar a mim mesmo.
Inanição é um termômetro para mim. Quando a total falta de vontade começa a aparecer; quando ficar 10 dias – das férias recentes – deitado, sem vontade para nada; quando deixar de escrever, parar de estudar, compensar e esconder tudo com textos engraçadinhos no Facebook, não se importar… quando tudo isso começa a parecer normal, é sinal que a peteca está caindo e que precisa haver enfrentamento. Uma luz amarela tem que acender, pois não posso regredir. Quando você consegue respirar, não pode querer se afundar de novo e eu estou aqui para enfrentar.
Esta é minha luz amarela.