Andanças
Não costumo escrever em primeira pessoa, por julgar que é só uma experiência pessoal minha, mas como se trata de um relato, não tem jeito, será em primeira pessoa.
Antes de começar, pense um pouco, o que é solidariedade para você? Pense e depois volte ao texto.
Talvez alguns confundam com caridade, que é um meio de ser solidário também.
Mas sem devaneios e sem fugir do foco, solidariedade… na etimologia, vem do latim, solidus, que se configura em algo como firme, inteiro. Tive dificuldade para entender, continuei pesquisando… até ser exemplificado e, enfim, consegui entender.
A tal solidez, presente no cerne de solidariedade, só é alcançada quando há apoio de outros para um determinado fim, como pilastras segurando um prédio, engrenagens de um motor ou pessoas ajudando pessoas em situações específicas.
Pois bem, sempre me perguntei (e acho que nunca vou parar de me questionar sobre): como ser útil, por meio de meus conhecimentos, para formar uma sociedade mais sólida, íntegra.
O relato abaixo decorreu na tarde de segunda-feira, 12 de setembro de 2016, no metrô de São Paulo… e me fez pensar em muita coisa.
Ressalto que o ocorrido foi de uma delicadeza ímpar, algo que me emocionou muito e melhorou – bastante – um dia que já ia muito bem, obrigado. Além da questão “solidariedade”, também levantei outros pontos a serem discutidos, inclusive sobre os meus próprios valores preconceituosos. Infelizmente, sim, temos preconceitos, não adianta dizer que não. Segue:
No altura da estação Tatuapé, na zona leste de São Paulo, um rapaz com cabelos cacheados – meio ruivos -, barba grande, camiseta com aqueles desenhos hippies, uma calça curta, chinelo, tornozeleiras “do reggae” e uma bolsa transversal com motivos andinos. Trazia, nas mãos, duas flautas: uma de ferro (que guardou na bolsa) e uma andina comprida. Olhei ao redor, todos sérios, uns liam, outros dormiam, mexiam no celular… no geral, mal-encarados, apesar do sol maravilhoso, que entrava pela janela do trem.
Eis que o rapaz começa a tocar uma canção suave, sem sair do lugar… o semblante do jovem era muito calmo.
Senti um ar de reprovação no vagão e percebi olhares julgando o jovem flautista… eu pensei: “vai tocar para ganhar uma grana e vazar”.
Tocou a música dele brevemente, se apresentou com um apelido (que, infelizmente, não foi possível eu captar, mas se intitulava “poeta do metrô e da vida”), desejou paz para as pessoas e foi ganhando a atenção até de quem lia. Falou de amarmos uns aos outros, da natureza; declamou um poema; e ainda emendou um conselho sobre não jogar lixo no chão.
Tocou outra música.
A esta altura, a maioria daqueles passageiros – outrora carrancudos – estava sorrindo, inclusive eu.
Quando encerrou a música, agradeceu a atenção e saiu oferecendo abraços… sete passageiros – contando comigo – trocaram abraços com o jovem.
Reiterou o pedido sobre jogar o lixo no lixo, sobre paz, amor e saiu, sem pedir um centavo.
Eu, ainda emocionado por essa atitude incrível, quebrei a cara, julgando alguém que estava sendo útil. Eu apenas presumi e, como resposta, tive meu dia modificado por um ato tão sublime.
Ele mudou o dia dessas pessoas e construiu, mesmo que momentaneamente, uma sociedade melhor.
Esse relato me serviu como exemplo de solidariedade. Ele não usou força… nem dinheiro. Apenas palavras, e o próprio conhecimento de vida, para aliviar a carga de um grupo pequeno de pessoas.
Tem mil maneiras de ser solidário, pode ser com dinheiro, sim, se feito com consciência e, não, para marketing pessoal.
Você pode lutar por uma causa, contra violência de qualquer espécie.
As ações falam por si só.
Tenho observado muitas coisas, como administradores orientando pessoas a incluir serviços voluntários nos currículos. Honestamente, solidariedade tem que vir de dentro para fora, de coração. Acredito que colocar tais feitos pode até valorizar o passe – para conseguir o tal emprego -, mas empobrece todo o seu trabalho voluntário e perde todo o sentido… de coração.
Desde que seja para termos uma sociedade, um planeta, um país ou cidade mais firme, mais justa/o.
O próprio conceito de sociedade caminha, ou deveria, paralelamente à noção de solidariedade.
Uma sociedade sem solidariedade é caótica, difícil, burocrática e corrupta (não estou falando de governo, mas de comportamento).
Você pode ser solidário trabalhando num mutirão da construção civil na periferia, numa campanha contra a seca ou contra a fome, cedendo a vez a um idoso ou deficiente (embora isso seja lei), dando passagem ou sinalizando o próximo passo no trânsito, agradecendo as pequenas gentilezas do dia a dia… e por aí vai.
Ajudar o próximo tem que ser de coração, tem que vir de dentro para fora, pode ser com dinheiro, com comida, com roupas, com campanhas, com braços e abraços.