Sempre lembrar, nunca esquecer
Murmelstein, Arendt e Eichmann…
No último dia 27 de janeiro, foi o Yom HaShoá (“Dia da Lembrança do Holocausto”), data internacional em memória das vítimas perseguidas e exterminadas pelos nazistas. Uma referência à libertação do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, por tropas soviéticas, em 1945. Nas câmaras de gás e crematórios, foram mortas – pelo menos – um milhão de pessoas.
Um dos agentes da chamada Solução Final para a questão judaica foi o tenente-coronel alemão Adolf Eichmann. A ele foi designado todo um trabalho de logística para facilitar e acelerar a morte de milhões de judeus. Função que executou com êxito até o apagar das luzes da Segunda Guerra. Em 1945, foi preso por tropas aliadas. Depois, conseguiu fugir, perambulando por alguns países.
Assim como milhares de nazistas fugitivos, se refugiou na Argentina, onde o presidente Juan Domingo Perón abriu as portas para ex-membros do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Lá, junto com a família, viveu sob o nome falso de Ricardo Klement.
Em 11 de maio de 1960, Eichmann foi sequestrado por uma equipe de agentes do Mossad (serviço secreto israelense). Foi levado para Jerusalém, onde foi julgado. O julgamento foi transmitido ao vivo para TVs do mundo todo. A imagem: Eichmann sentado atrás de um vidro à prova de balas e de som, enquanto muitos sobreviventes do Holocausto testemunhavam contra ele. Resultado: acabou condenado à morte e, depois, enforcado.
Quem acompanhou todo este processo foi a filósofa (ela não gostava desse título) Hannah Arendt. Ela escreveu uma série de artigos para a revista norte-americana The New Yorker e, depois, lançou um livro. Nesse trabalho, Arendt cunhou a expressão “banalidade do mal”, ao representar Eichmann como um mero burocrata que apenas seguiu ordens, sem pensar nas consequências. O nazista seria apenas mais uma peça na engrenagem maligna e sangrenta criada por Hitler. Um sujeito banal. Hannah Arendt comeu o pão que o diabo amassou ao publicar esse pensamento e ainda foi além ao dizer que líderes judaicos colaboraram com os alemães… facilitando, assim, a morte de milhões de judeus.
Mas a história não é um livro fechado. Em 2013, o cineasta francês Claude Lanzmann retirou – do próprio arquivo – uma entrevista inédita, feita nos anos 70, com o rabino Benjamin Murmelstein, um dos líderes da comunidade judaica de Viena. Considerado um traidor do povo judeu (inclusive pela própria Hannah Arendt), a voz dele havia sido esquecida e foi retirada das cinzas por Lanzmann.
Murmelstein conviveu diretamente com Adolf Eichmann por sete anos e, por influência dele, fez com que 121 mil judeus fossem parar no campo de concentração de Theresienstadt (hoje, no território da República Tcheca). O filme dá uma chance ao velho rabino para explicar os motivos de ter aceitado os desmandos nazistas.
Ele argumenta que ajudou a salvar vidas e que, se fosse traidor, teria fugido… chances não lhe faltaram. O rabino também esteve em Theresienstadt e viu – de perto – atrocidades naquele que era o campo de concentração modelo, criado por Eichmann.
Murmelstein discorda de Hannah Arendt. Eichmann não era um sujeito banal, mas, sim, um demônio. O nazista não era apenas um burocrata, ele sabia muito bem o que estava fazendo.
Se era comum ou tirano, Eichmann é um criminoso, não há dúvida… e nada tira a culpa dele. Para os judeus, o passado é doloroso e precisa ser lembrado. Uma campanha, feita este ano, com a hashtag #weremember, tem esse objetivo: jamais esquecer.
O próprio Murmelstein, antes de contar a versão dele, lembrou o mito grego de Orfeu e Eurídice. Muitas vezes, olhar para trás não é muito bom.