Elza Soares: a dona dessa porra toda!
O New York Times a chamou de “destemida lenda do samba”.
O El País escreveu que esse último disco “qualquer cantora jovem gostaria de assinar”.
O Le Monde narrou – com contornos de New Journalism – a saga da cantora que interrompeu um show para falar sobre um massacre de jovens negros no subúrbio do Rio de Janeiro.
A BBC afirmou que ela é a voz do milênio…
E o mesmo NY Times afirmou que ela é a “mais renomada cantora de samba viva”.
Reconhecimentos estrangeiros à parte, Elza Soares é um mulherão da porra! A dona disso tudo! Aos 80 anos e com graves problemas na coluna, Elza continua desbravando o Brasil em shows, lançando músicas com a temática em defesa da mulher e, cada vez mais, se fixando no rol das grandes intérpretes na história da música brasileira.
A história dessa mulher renderia um filme. Uma trilogia, talvez. Com 13 anos de idade, a carioca – nascida numa favela do Rio de Janeiro – já era mãe. Para conseguir alimentar o filho, se inscreveu em um concurso para novas cantoras da Rádio Tupi. Reza a verdade que ela chegou toda malvestida, descabelada, sem maquiagem e fui ridicularizada. Ary Barroso, o então apresentador do programa, perguntou à moça esquálida de onde ela era. A reposta calou o auditório risonho: “sou do planeta fome”, disparou Elza.
A partir dali, Elza Soares percorreu um longo e tortuoso caminho em busca de reconhecimento musical. A voz, um misto de rouquidão e sensibilidade, explodiu em grandes canções e discos. Porém… o fato de ser negra, pobre e oriunda da favela, garantiu dezenas de portas fechadas e pouca vontade para ouvir ela cantar. Raros eram os convites para ir a um programa de auditório na televisão ou reportagens de jornal. Elza não era branca, de boa família ou morava no Leblon.
Nos anos 60, Elza Soares viveu um romance midiático. Bem antes dos paparazzi, ela já frequentava as páginas dos jornais, graças ao tórrido amor com o atacante do Botafogo e da seleção, Garrincha. Ele era um dos maiores craques do futebol brasileiro e mundial da época. Como reza a cartilha do machismo, Elza foi tratada como a “destruidora de lares”, a mulher que levou – para o pecado – o “pobre” Mané e o afastou da esposa e das duas filhas.
Nos anos 2000, Elza Soares ousa e se atreve! É 2002, o álbum “Do cóccix até o pescoço”, onde ela denuncia o racismo (“A carne mais barata do mercado é a carne negra”) e se conecta com DJs e beatbox para renovar o som e rescrever a própria história musical. É com este disco que Elza desce o morro, deixa de ser só uma cantora de samba para ser a dona da porra toda!!
O golpe de misericórdia veio em “A Mulher do Fim do Mundo”, trabalho lançado em 2015 e considerado, pela crítica, o melhor daquele ano. Com a música/hino “Maria da Vila Matilde”, Elza escreveu um decreto contra todo o tipo de agressão física e psicológica que sofreu na pele (e na carne) negra ao longo da vida. A cantora, casualmente ou não, assumiu um papel fundamental na defesa dos diretos das mulheres e contra a violência de homens, que acham que o sexo oposto é uma mera propriedade.
Cada vez mais, se fala, se canta e se ouve Elza Soares. Ainda bem, pois num país onde cantoras “pseudo-empoderadas” preferem rebolar, gravar clipe em Miami e fazer Insta Stories na boate da moda, a nossa mulher do fim do mundo joga água fervendo e solta os cachorros. E ai de você se levantar a mão para ela!!
Cinco discos para entender Elza Soares:
A Mulher do Fim do Mundo (2015)
Do cóccix até o pescoço (Maianga, 2002)
Beba-me – Ao vivo (Biscoito Fino, 2007)
Elza negra, negra Elza (CBS, 1980)
Elza Soares (Tapecar, 1974)