O tribunal facebookiano
“Chico Buarque é machista… larga mulher e filhos para ir atrás de uma vagabunda qualquer.”
“Vinicius de Moraes era outro que só queria saber de mulher bonita… e falava mal das feias.”
“Ney Matogrosso renega a causa homossexual.”
“Nossa! A Miss Brasil é negra e do Piauí… nem sabia que tinha mulher lá.”
“Cidadão de bem não fica na noite até altas horas”.
“Os caras em Charlottesville têm todo o direito de manifestar a posição ideológica”.
As frases acima foram postadas, compartilhadas, curtidas e amadas em redes sociais bem próximas de nós. Vivemos no grande e eclético tribunal facebookiano, onde nossos erros, intimidades, relações, conversas e cantadas amorosas… cada ação é exposta e julgada por uma plateia de seguidores, ávidos em opinar sobre tudo e sobre todos. Até mesmo Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Ney Matogrosso foram acusados por obras que criaram no passado. Uma banda gaúcha acabou por causa de um post da ex-namorada do guitarrista.
Para entender um pouco mais desse fenômeno, o livro “O Tribunal da Quinta-Feira”, do escritor gaúcho Michel Laub, é uma ótima leitura. Numa tarde de domingo, a ex-mulher de um dos personagens encontra a senha do correio eletrônico anotada num papel, que está lá… perdido em alguma gaveta. Ao entrar no submundo do próprio ex-marido, ela resolve publicar diversos trechos dos e-mails, fruto de anos de correspondência entre dois amigos de infância. A obra utiliza a troca de mensagens entre esses velhos camaradas como pano de fundo para refletirmos sobre o discurso – cada vez mais intolerante – das redes sociais e a impossibilidade de se viver à margem desse tipo de julgamento.
Num instante, nossa vida privada pode parar em um textão, escrito e postado por alguém, cujas intenções – talvez – não sejam as mais nobres. Quem sabe seja desabafar, quiçá não. Lá, nos pontos de vista (a escória da humanidade se encontra em caixas de comentários), estarão mensagens de apoio a quem publicou, repúdio de quem é citado, ironia, mágoas, autoidentificação, amor, ódio, raiva e o que mais os caracteres permitirem. O tribunal é implacável. Todos são donos da verdade e impiedosos com a existência alheia. As opiniões, geralmente muito pouco embasadas, são armas das mais cruéis. Joga pedra virtual na Geni. Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir. Porém… o discurso de quem acusa é o de justiça, de apontamento: “olha o que ele/ela fez de errado”.
Talvez isso seja o reflexo da nossa vida cada vez menos pessoal… e mais virtual. A consequência: os discursos vão parar nas redes sociais, porque essa é a única rede que transitamos. Desde a foto do que se vai comer no café da manhã, a queixa dos vizinhos que transam tarde da noite e fazem barulho, quantos quilômetros correu, até os motivos pelo fim de um casamento vão parar lá, no famigerado tribunal. Por isso, meu caro amigo(a), menos textão e mais mesa de bar!