Conexão Colômbia: Narcos e o futebol controlado pelos cartéis
A série Narcos, cuja terceira temporada já está disponível na Netflix, tinha tudo para dar errado. Não? Vejamos: todo mundo sabe que Pablo Escobar, famoso traficante de drogas colombiano e líder do Cartel de Medellín, foi morto no dia 02 de dezembro de 1993, na cidade em que viveu boa parte dos 44 anos. E que logo após a morte dele, quem assumiu o comando da remessa de cocaína para o resto do mundo foi o Cartel de Cali.
Pois bem, mesmo com a trama já revelada de antemão, Narcos consegue surpreender na maneira como narra os acontecimentos e desenvolve os personagens… em especial, o agente Peña, interpretado por Pedro Pascal. Não vou me alongar neste parágrafo para não dar algum temido spoiler.
O que é interessante, e que Narcos deixa um pouco de lado, é a relação nada ortodoxa entre os cartéis da droga e a bola. Não é muito diferente do que russos e árabes fazem, hoje, no futebol europeu, mas talvez com um pouco mais de violência por parte dos colombianos.
O Cartel de Medellín, por exemplo, investiu pesado nos clubes da cidade. Atlético Nacional e Independiente Medellín receberam generosas quantias vindas do tráfico de drogas para montar boas equipes, especialmente nos anos 80 e 90. Tanto dinheiro rendeu um título da Taça Libertadores da América ao Atlético, em 1989.
Nota do escriba: em 1995, após a morte de Pablo Escobar, um certo clube brasileiro foi até Medellín e, contra o Atlético Nacional e com o estádio Atanasio Girardot lotado, ganhou a Libertadores. Foi mal, aeee… chupa, Pablito! Grêmio campeão!!!
A influência de Pablo Escobar era tanta no futebol de Medellín, e – por consequência – em âmbito continental, que a preparação da seleção colombiana para a Copa de 1990, na Itália, foi bancada com dinheiro dele. O traficante obrigou a federação local a contratar Francisco Maturana como treinador.
Maturana havia sido o técnico campeão da Libertadores com o Atlético Nacional. Reza a lenda que o folclórico goleiro René Higuita era amigo de Escobar e frequentava La Catedral, a prisão construída pelo traficante nos arredores de Medellín. O jogador foi flagrado saindo da “residência” por uma televisão local e, segundo ele, este fato o tirou da convocação para a Copa de 1994, nos Estados Unidos.
Enquanto Pablo comandava Medellín, os Rodríguez davam as cartas em Cali. Lá, o Cartel da cidade comandava o América de Cali. O Deportivo Cali chegou a receber algum dinheiro do tráfico, mas o foco era mesmo no América, time do coração dos irmãos.
Miguel Rodríguez Orejuela, líder do cartel de Cali, foi presidente do clube durante os anos 80. Foi um período de ascensão no futebol sul-americano. Los Diablos Rojos ganharam cinco títulos nacionais consecutivos (1982 – 1986) e foram três vezes vice-campeões da Copa Libertadores da América: em 1985, 1986 e 1987. Uma época de grandes jogadores por lá: Ricardo Gareca, Juan Manuel Battaglia e Roberto Cabañas.
Nos anos 90, foram mais três títulos nacionais e um vice da Libertadores, em 1996. Com o fim do Cartel de Cali e sem dinheiro, o clube mergulhou numa crise administrativa profunda. Após passar cinco anos na segunda divisão do campeonato colombiano, em 2016, o América retornou à elite.
Outro episódio que envolve o tráfico de drogas, os cartéis e o futebol colombiano é o assassinato do zagueiro Andrés Escobar (sem nenhum parentesco com Pablo), após a eliminação na Copa do Mundo de 1994.
Andrés Escobar era o capitão da seleção e ídolo do Atlético Nacional. Coube – a ele – o peso da responsabilidade pela queda do time na primeira fase, já que marcou um gol contra na derrota por 2×1 para os Estados Unidos. Um mês após o fatídico lance, ele foi morto, em uma boate de Medellín, por traficantes locais. Escobar era um dos únicos atletas que jogava na Colômbia naquela época.
A partir destes episódios, a Federação Colombiana travou uma verdadeira guerra contra a presença de pessoas ligadas ao tráfico de drogas no futebol.
Agora que Pablo Escobar (interpretado brilhantemente por Wagner Moura) se foi, talvez Narcos pudesse explorar um pouco mais estes fatos históricos. Por ser uma série estadunidense (e o povo lá não é muito chegado em futebol), possivelmente não o faz.
Como todas as séries atuais, também é passível de críticas, mas vem empolgando e surpreendendo nesta terceira temporada. Sem Escobar, aposta em Peña, a vida de ostentação que o mundo das drogas proporciona, suspense, drama e um traficante gay bonitão.