John Coltrane: o deus espiritual do jazz
O ano de 2017 marca o aniversário de 50 anos da morte de John William Coltrane (1926-1967), um artista extraordinário que revolucionou o mundo do jazz e exerceu uma influência radical na cena musical dos anos 60.
John Coltrane era um saxofonista e compositor que transformou sua música em uma experiência sublime e, por vezes, perturbadora. Seu trabalho poderia ser definido – grosseiramente – em três palavras: entusiasmo, elevação e elegância.
O homem nascido em Hamlet, estado estadunidense da Carolina do Norte, está no rol de grandes gênios do estilo musical, junto a Louis Armstrong, Duke Ellington, Miles Davis e Charlie Parker.
John Coltrane uma revolução talvez sem intenção de o fazer. Podemos dividir a trajetória do saxofonista em duas etapas: a primeira é quando ele, em 1955, entra para o quinteto do trompetista Miles Davis. Foi ali que Coltrane começou a desenvolver um estilo único de tocar sax. Em 1956, eles lançam o clássico ’Round About Midnight, em que John era a contrapartida ao som de Davis; solos torrenciais e extensivos e o que mais tarde foi chamado de sabores sonoros.
Seu crescimento artístico era paralelo ao vício em heroína e álcool. O caos na vida pessoal fez com que deixasse de ser chamado para tocar com outros grandes músicos da época. Na autobiografia, Miles Davis contou:
“Foi o verão de 1957 e nós tocando no Café Bohemia, em Nova Iorque… John estava lá parado, sem fazer nada, sem sequer pôr o saxofone em sua boca. Eu acabei dando um soco nele ao final do espetáculo. Thelonious Monk, que estava lá fora, o ajudou. Mas, para mim, foi o fim. Coltrane deixou a minha banda.”
Após o incidente, John Coltrane voltou para a Filadélfia, e se limpou: deixou drogas e álcool. De volta a Nova Iorque, ele começou a tocar com Thelonious Monk no Five Spot e – novamente – a atenção estava focada nele, especialmente com o lançamento de seu álbum Blue Train, onde sua música causou uma profunda impressão no jazz da Big Apple. Miles Davis pediu-lhe para retornar ao grupo e eles simplesmente gravaram dois dos maiores discos da história da música: Milestones e o imortal Kind of Blue.
A segunda parte da carreira de John Coltrane é a partir de 1960, como líder do seu quarteto e com mais de 20 álbuns lançados em apenas sete anos, onde tornou-se um gênio inovador como instrumentista e compositor.
Ao longo dos anos 60, a figura de John Coltrane cresceu como artista, mas também como exemplo de uma espiritualidade pluralista, sem religião, embora algumas biografias relatem a devoção ao hinduísmo. Porém, Coltrane também era um ativista social e esteve ao lado de grandes líderes negros estadunidenses como Malcom X e Martin Luther King. Quando os movimentos dos direitos civis da comunidade negra se expandiram, lá estava o músico em comícios e encontros.
Sua própria estrada é pavimentada ao som do clássico Giants Steps, onde o saxofonista rompe barreiras de seu instrumento e do próprio jazz para marcar um passo adiante na vanguarda musical da época. Coltrane rompeu com os arquétipos do jazz, redefinindo – permanentemente – sua linguagem musical; um músico inconformista… para quem a aventura não teria fim. Ao mesmo tempo em que crescia como líder de seu quarteto, ele colaborou com grandes nomes como Duke Ellington e o cantor Johnny Hartman.
Porém, o nirvana artístico dele foi no disco A Love Supreme (1965), um conjunto de quatro movimentos dedicados a um deus/criador e que busca a iluminação espiritual por meio da música. Neste álbum, ele tocou sax de maneira visceral, com o suporte de McCoy Tyner no piano, Jimmy Garrison no baixo e Elvin Jones na bateria.
A Love Supreme atraiu a juventude do movimento hippie e a contracultura dos anos 60, chegando ao rock and roll, já que Patti Smith, Lou Reed, Roy Orbinson e David Bowie estavam entre aqueles que reconheceram a genialidade de Coltrane.
Em 17 de julho de 1967, John Coltrane deixou este plano terrestre. Ele lutou silenciosamente contra um câncer de fígado e, no momento da internação num hospital, a saúde já estava muito deteriorada. Chegou a recusar morfina, devido à crença espiritual. Tinha apenas 40 anos e era casado com Alice, harpista e pianista… e teve um filho, Ravi, que hoje é um reconhecido saxofonista.
A obra permanece viva ao longo dos anos, com cada vez mais admiradores mundo afora. Em São Francisco, na Califórnia, a Igreja Ortodoxa Africana de Saint John Coltrane o canonizou e, todos os domingos, no altar, a música dele é cantada e celebrada.