Entrevista

Entre um papo ou outro com “papito”

servido por: Bruno Menezes

Visitei o vereador Suplicy por algumas horas e percebi que ele tem mais de pai do que de político.

Ele carrega um dos nomes mais fortes da história brasileira. Tem nas veias o sangue de visionários de uma família que por décadas, comandou São Paulo. A família Matarazzo é considerada responsável por robustos avanços industriais no país e já na década de 1930, empregava mais de 30 mil pessoas em duzentas fábricas. Eles se tornaram em pouco tempo o maior conjunto de empresas da América Latina, um feito conquistado com muito suor, mas também com uma inteligência peculiar.

Qualidade que Eduardo Matarazzo Suplicy herdou. Hoje ele tem 76 anos, número que não parece ser forte o bastante para conter os ímpetos do jovem senhor que ainda anseia ver o país melhor. Com aperto de mão forte, olhar fixo e uma voz marcante, Suplicy é um caricato político e não seria errado ou exagerado dizer que ele é o último romântico da classe.

Localizado no quarto andar da Câmara dos Vereadores de São Paulo, na sala 417, o gabinete de Suplicy é repleto de diversidade, detalhes e curiosidades. Quando solicitei a entrevista fui tão bem tratado que cheguei a ficar sem graça. Já havia ligado para outros gabinetes e o tratamento não foi condizente com a ideia de que o político serve o povo. Ao chegar no local e me anunciar, logo fui atendido. Não antes de perceber que no quadro de avisos fotos mostram Suplicy ainda jovem, cartazes dão tom ao momento político brasileiro e uma carta chama a atenção. Escrita à mão pelo próprio vereador, os dizeres pregam respeito e educação.

Ao adentrar a parte reservada, o colorido mostra a cara do gabinete. Nada se parece comum local de trabalho, mas sim uma sala de encontros entre apoiadores da arte e do plural. Chego a sala do Vereador, que se levanta, aperta minha mão, solta um leve sorriso, ajeita o terno azul marinho, se senta novamente e pede para que eu me ajeite por ali.

Suplicy acabara de sair de uma reunião importante. A pauta era o Minhocão, um dos mais conhecidos viadutos da capital Paulista. Uma briga se forma ao longo dos anos e agora toma proporções maiores. Parte quer a destruição do elevado, outra parte defende algo diferente. A reunião acalorada, foi intermediada pelo vereador e até mesmo a oposição saiu do local distribuindo elogios.

Suplicy pede alguns instantes. Me oferece o jornal e diz: “Preciso escrever uma mensagem muito importante. Só um pouco e já falamos”. Não foi só um pouco. O vereador, tão conhecido por suas peripécias musicais e esportivas, se aproxima pela primeira vez de um pai ou avô que ainda não se ajeitou por completo com a tecnologia. Com toda atenção do mundo, o dedo indicador caça as letras para formar a mensagem. Naquele momento me segurei para não levantar e falar: “Quer ajuda, papito?”, lembrando dos tempos em que Supla utilizava o jargão.

Sete minutos depois, a primeira interrupção. Suplicy é avisado da agenda. Tem um compromisso logo mais, não pode atrasar, precisa almoçar e ainda tem que despachar. Ele escuta e pede: “Eu só preciso acabar de escrever a mensagem. É importante”. Ele continua escrevendo. Até o telefone tocar. Ele olha para minha cara e, impaciente, solta: “olha isso! Eu estava escrevendo!”. Atende o telefone, mas logo desliga. Volta a escrever. Seis minutos depois é novamente interrompido, agora por outro telefonema, mas no celular de uma funcionária que já o acompanha há anos. Suplicy atende e na ligação conta, sorrindo, sobre o tombo levado durante o discurso de Fernanda Montenegro no teatro Oficina. O Vereador estava tirando fotos quando despencou no chão. Ele gargalha quando lembra que Fernanda caçoou do tombo. A pessoa do outro lado da linha parece preocupada. Ele fala que não se machucou e completa dizendo de outro tombo que levara na mesma semana, durante uma caminhada. Neste, o resultado foi um galo na cabeça e um arranhão no peito.

Logo que desliga o telefone, Suplicy volta a mensagem. Ao terminar, fala com a voz suave: “tenho um compromisso logo mais. Vamos almoçar?”.

Não há dúvidas, no primeiro momento já se pode perceber que o homem tão forte para encarar a política, não tem mais toda a força de uma juventude de lutas. Suplicy tem certa dificuldade na fala e traz consigo o peso que a idade entrega. Mas também é perceptivo o quão ativo é. Não para sequer um minuto. No mesmo dia já havia se encontrado com o ex-presidente Lula e debatido os cenários políticos para 2018, inclusive o próprio futuro. Na agenda mais diversos compromissos ao longo da tarde e noite.

O mais interessante é a atenção que o vereador dispensa a todos que passam por ele. Saindo do gabinete, ele é parado por uma senhora. Prontamente ele a atende e a encaminha a um de seus colaboradores. Ela agradece e deixa as palavras no ar:” O senhor é muito bom, nunca negou ajuda quando precisamos. O que o senhor precisar, pode chamar.’

Suplicy sabe que o povo tem força. É a população que o mantem na política há tantos anos. Só no senado, Suplicy ficou 24 anos. Já foi Deputado Federal, estadual e vereador. Em todos os casos obteve números expressivos. Além da carreira política, ele é também Administrador de Empresas e PhD em Economia.

Quando chegamos ao restaurante, o vereador fala sobre a história do local. É perceptível o quanto ele se empolga com detalhes e a memória é impressionante. Me apresenta ao garçom que fala o menu do dia. Eu escolho um risoto de queijo branco com tomate seco, ele estrogonofe com cação. Fico com suco de limão, ele de abacaxi com hortelã.

Nem mesmo neste momento o vereador tem paz. Assessores chegam para que ele assine documentos, entregam cartas e ele precisa resolver coisas. A irmã, Besita Matarazzo, se encontra com Suplicy. Peço uma foto dos dois, ele levanta e fala: “com o maior prazer”.

Durante o almoço, conversamos um pouco mais. Pergunto se ele nunca quis prosseguir com a vontade de se tornar presidente do Brasil – em 2002 ele foi pré-candidato. Suplicy é firme na resposta: “Enquanto o presidente Lula estiver no páreo, estou com ele.”

Pergunto se ele acredita que Lula conseguirá se candidatar, a resposta é política: “Vamos aguardar. Confio que tudo se resolverá”. Suplicy não é de muitas palavras neste sentido. Velho de guerra, o vereador sabe que uma má interpretação de uma fala dele pode se tornar uma bomba.

Mudo de assunto e pergunto sobre a família. Ele sorri, responde e fala do peso de ser um Matarazzo. Mais uma vez, “papito” encarna o paizão. Em uma daquelas desculpas dignas do almoço de domingo onde o tio resolve pagar a conta, ele se levanta, fala que vai ao banheiro e logo voltará. Para no meio do caminho e paga nosso almoço. Sem graça, ofereço pagar quando ele volta. Ele apenas chama para ir embora. Ele precisa correr, tem um reunião importante.

No caminho de volta, Suplicy brinca com a guarda da Câmara, de quem ganha um demorado abraço e um beijo. O vereador é, incontestavelmente, um ícone.

Ao voltar para o gabinete, Suplicy me entrega um livro que lançou em 2007. A história da família e as impressões em diversos campos. Algumas respostas do que procuro sobre a história da família estão ali, escritas por ele. Ele pede que eu leia com calma que irei entender muito da vida dele. Marcamos um novo encontro, agora em dezembro próximo. Neste sim uma entrevista, onde ele responderá as mais diversas perguntas, políticas e pessoais. O primeiro contato era apenas um passo para as impressões que queria tirar e tirei.

Tal qual o nome do livro que me presentou, é preciso dizer que Eduardo Matarazzo Suplicy é sim fonte de um notável aprendizado.