Direto de Angola

A Luanda de cada regresso

servido por: Juca Badaró

Luanda é uma cidade de movimentos e surpresas. Uma jovem senhora de pouco mais de quatro séculos, que nunca descansa. Inquieta, se reinventa sob os nossos olhos estrangeiros e limitados. É que, quase sempre, nós – os expatriados – a interpretamos com o fácil, perigoso e tentador olhar do típico visitante, que por estas terras chega através do Atlântico. Uma espécie de militante não-consciente de um moderno imperialismo cultural, que julga sem conhecer e critica sem compreender.

Luanda não é para observadores pouco treinados. Moça recatada, ela não se desnuda assim, à primeira vista. É preciso conquista. É preciso ir além. Há que se deixar invadir por uma força secular, caminhar entre os prédios coloniais degradados pelo tempo e vivenciar, com espanto, a urgência das construções modernas, que violentam a paisagem e buscam os céus na tentativa de ocupar a terra. Sem julgamentos, sem culpas.

Há de se cheirar as ruas nas tardes quentes do centro e misturar-se às cores do São Paulo sem repugnar. É bom deixar claro que não estamos diante de uma cidade óbvia. Portanto, não espere conhecer Luanda nos primeiros meses, nos primeiros anos. Ela é dissimulada e se mostrará diferente a cada temporada, a cada regresso. Também não seja injusto e sentencie a cidade antes de comer a poeira dos becos do Sambizanga e sujar os pés de lama no Rangel ou no Cazenga.

Acima de tudo, há de se ouvir as vozes de Luanda. Elas são muitas e tão distintas, tão aflitas. Essencial é usar os sentidos para compreender esta cidade-capital. Por isso, deixe de lado os conceitos trazidos do além-mar. Einstein dizia que é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito, mas, para entender Luanda, vale este grandioso esforço.

Aí, sim, se abrirá, à sua frente, uma Luanda encantadora, surpreendentemente cheia de possibilidades, de desejos e de caminhos. A Luanda de Luandino, das Marias quitandeiras, das zungas, das Zefas, das Rosas peixeiras, das tristes-alegres cantigas, dos panos pintados e do barro vermelho. A Luanda de cada um. A Luanda de cada regresso.