O dia em que o Ayahuasca me decepcionou

Um relato sincero e aberto da minha primeira experiência com o famoso e polêmico Chá.
Eu ainda estou um pouco aéreo. São 16 horas. Cheguei em casa as 9:30, após quase 12 horas de ritual.
Fui convidado por um companheiro para me envolver nessa jornada Xamânica, com as medicinas do Ayahuasca, do rapé e da sananga.
A partir de agora faço um relato daquilo que vivi nessa jornada.
Cheguei ao salão do ‘Voo da Coruja’, localizado ali na avenida Pompeia, com todo o receio de quem vai passar por algo pela primeira vez. Sou do tipo que nunca usou drogas, mas está acostumado a beber uma cachaça e tomar uma cerveja. Sei meu limite, dei o famoso ‘PT’ apenas uma vez na vida. Então estou acostumado a ter o domínio próprio quando bebo algo. Chegar próximo a uma substância que pode me fazer perder, por alguns momentos, o meu ponto fixo, minha terra firme, é assustador.
Mesmo assim, resolvi enfrentar. Tudo ajeitado, meu canto escolhido e a ansiedade controlada – ou quase. As primeiras ‘cenas’ do ritual pareciam uma orquestra bem treinada. Música, falas na altura certa e tato para mostrar o caminho. Era o começo de tudo: o rapé.
Para quem estava acostumado com aquele rapé que o tio dá para você espirrar, acredite: suas definições de rapé serão atualizadas.
Um soco. Dois socos. Um em cada lado. A explicação sobre de onde veio, o procedimento detalhado, a língua no céu da boca, prender a respiração, a aplicação e as estrelas aparecem. Por 10 segundos seu corpo parece gritar: ‘PUTA MERDA! QUE PORRA É ESSA, CARA?’. O cérebro pulsa. O olho vira. O seu organismo entra em um transe que você não acompanha. Você está lúcido. Completamente. Mas seu corpo parece ter sido entregue a qualquer outra coisa sem explicação.
Retorno para meu colchão.
Sentado, começo a sentir cada pedaço do meu corpo formigar. Ao meu lado, a companheira depura (vomitar é depurar e tudo isso há uma lógica) loucamente. Do outro lado um colega parece ter esquecido do mundo e faz seu próprio ritual. Eu começo a suar como se estivesse no deserto em um sol escaldante – São Paulo registrava 16 graus na noite.
Me preocupo muito. A todo momento pergunto ao guardião, nome que se dá a quem comanda a jornada, se é normal. Com toda calma ele responde tudo. Me sinto tranquilo. Aos poucos as coisas vão se encaixando. Parece que vou me religando ao mundo novamente. Tenho o total controle do meu corpo. É incrível, apesar de assustador.
Começa então o ritual da Ayahuasca. Essa é a erva famosa do chá do Santo Daime. Polêmica Pura. Pelo que li e pesquisei durante o ato da religião você toma duas doses. Na jornada do voo da coruja nós tomamos a quantidade que nosso corpo quer, logicamente também dividida em doses e com responsabilidade.
Tomo a primeira. Deito. Fecho o olho. Nada acontece. Abro meu olho e pareço homenagear o símbolo do ritual. Como uma coruja, me atento a tudo. Vejo gente já se levantando, dançando – a música é um caso que precisa ser destacado. Que seleção incrível! – pessoas chorando, alguns depurando… mas tudo na calma.
Vou para a segunda dose. Deito. Nada acontece. Já vejo gente fazendo movimentos involuntários. No começo da jornada é falado para você se ligar somente a você, não se conectar a jornada do outro, fazer a própria viagem. Eu não consigo. Começo a reparar em tudo. Tudo de uma beleza singular. Mas, ansioso que sou, começo a me irritar com o fato do chá não ter provocado nada em mim.
Aqui preciso de mais um parêntese. Não é que a erva não me causou nada. Mas me mostrou que estava em meu corpo. Me mostrou o que estava fazendo ali. Eu conversei com a planta, pedindo para que cuidasse de mim e falando que eu a respeitava. E sim, fui respondido com: fique calmo.
Mas a irritação continuava. Deu vontade de levantar, ir embora. Já com a cabeça no texto – eu sou extremamente textual. Preciso escrever – falando que esse chá não é nada demais. Que era uma enganação.
Por via das dúvidas, resolvi tomar a terceira dose. Já estava ali mesmo.
Levantei-me, escorado pelo outro guardião. Fui tomar a terceira dose. A pergunta dele: ‘está bem?’ Veio como uma pancada. Na hora só acenei com a cabeça afirmativamente, mas deu vontade de responder: ‘porra Velho, tô muito bem. Mais do que devia e queria!’.
Voltei para minha cama.
A partir de agora deixo claro: Ayahuasca me causou profunda decepção.
Eu já estava convicto que nada aconteceria. Era algo normal.
Mas aí o guardião começa a falar sobre chácaras. Em cada um, uma cor, uma energia.
Eu não sei dizer como. Mas todo o meu pensamento de que nada aconteceria foi pro ‘beleléu’.
Um túnel se abriu. Filmes passavam rapidamente como nunca vi. Um show de imagens, de Sons, de situações. De forma hiper acelerada, minha mente parecia fazer uma caminhada por diversos caminhos. Diálogos que tive com 8, 10..12 anos surgiam na minha cabeça. Pessoas, rostos brilhavam na minha mente. Lembrava da infância. Lembrei de cada pedaço da garagem do prédio que mais me marcou, da turmalina, em BH. Eu estava lá. Estava caminhando por lá. Fui nas casinhas do gás, fui nos quartinhos de cada apartamento. Vi cada carro. Em uma maluquice eu tentava entender a lógica que fizeram na garagem. Qual o motivo das vagas serem daquele jeito. Da esquerda para a direita, tinha a vaga do seu Camilo, do primeiro andar. A vaga do Luiz, também do primeiro. Depois a vaga da Heloisa, lá do terceiro (neste momento entrei em uma discussão absurda. Estava errado! Como que do primeiro ia para o terceiro?). Depois vinha a do Fernando, do segundo, a do meu apartamento também no Segundo. Depois da Andrea, lá do terceiro andar. Essa é a disposição verdadeira. Eu tentei entender o motivo. Não conseguia. Discuti. Até que um desenho se formou e como se fosse uma marca incrível… pessoas surgiram.
Lembrei detalhadamente de conversas incríveis com minha amiga do prédio. Lembrei de uma discussão com outro amigo, por causa de cinco reais. Lembrei da roupa dos dois. Um com um chinelo Raider, short preto, blusa amarela do Banco do Brasil e uma cordinha na mão. Ela com uma calça jeans que batia na canela, uma blusa clara e tênis. Ela se fez presente em mais outras conversas.
De repente, chegou a moça que limpava o prédio. Ela veio na minha mente, com um sorriso agradeceu pela lembrança e foi embora. Eu lembrei nome e detalhes.
No prédio, ainda revivi loucuras que passei por lá.
Minha sobrinha apareceu como em um porta retrato com minha irmã de fundo. Minha mãe surgiu como que se despedindo de mim e isso me assustou, mas foi a partir deste momento começa uma experiência muito íntima. Algo religioso e espiritual.
Após toda essa sensação indescritível, senti algo me tocar. Eu estava em uma floresta. Era uma índia. Quem conhece a Umbanda sabe da sabedoria indígena e de como ela é representada nos terreiros.
Foi uma experiência única. Ela veio, me mostrou respostas, caminhos e me ensinou na prática a trabalhar minha ansiedade. Eu nervoso querendo saber o nome dela, ela corria e se escondia. Eu tinha que ter a calma. Ela voltava aos poucos, eu ficava mais agitado, ela corria para o Mato com cara de assustada. Percebi que era uma troca de novidades. Ela também estava me conhecendo. Por diversas vezes colocou a mão em minha boca mandando eu ficar calado. Me mostrou caminho, me soprou sobre decisões e me acalentou de uma forma incrível.
Quando o enjoo vinha por causa do cheiro de um incenso que não sei qual é, ela me fazia colocar o edredom no rosto e sentir o cheiro da minha família. Isso me acalmava, me deixava feliz. Me sentia protegido.
Aos poucos eu descansei. Cheguei a dormir um pouco. Fui acordado com as luzes ligadas e a frase: ‘Lindo dia de sol’, em uma empolgação que determinava que aquilo ali era um renascimento.
Após toda a jornada, a Conclusão:
Essencial. Para mim essa é a palavra. Todas as pessoas do mundo precisariam passar por um ritual assim para conseguirem entender que não somos nada perante a natureza, a vida e a força da fé. Tenha você ela, ou não. A Ayahuasca, que não é alucinógena, mas enteogena – que significa ‘manifestação do interior divino – ou seja, ela nem se aproxima de droga.
É uma viagem ao seu íntimo. Onde todos nós somos iguais. Seus medos se mostram menores quando você se conecta.
A Ayahuasca me colocou na terra. Literalmente. Ao sair do ritual me vi com uma nova visão – Ainda mais reveladora – de família. Com uma pancada brutal na minha guerra contra a ansiedade reprimida e, não menos importante, com a certeza que estou sim no caminho certo do conhecimento próprio e de mundo. Tudo tem seu tempo.
Hoje a Ayahuasca me decepcionou. Achei que nada aconteceria, mas tudo aconteceu.