Trem abarrotado e a gentileza no Brasil com ‘z’
“Seja muito bem-vindo ao Brasil”, a música sai dos fones e entra em minha cabeça. “Tic, tic, tic…” – esse som interrompe a música. Ele indica que aumento o volume. Sim, faço isso. Volume máximo!
“Aqui estamos em guerra civil. Quem não tiver estômago, abandonar o navio”, agora os fones gritam. Quase machucam meus ouvidos. A música quase machuca minha mente. Assim está bom. Perfeito!
Está chegando à estação que vou desembarcar. Estou no trem. CPTM. A galera se apavora, como de costume. Eles acham superimportante ganhar alguns milésimos de segundo, por estar um passo à frente dos outros. Espremem-se. Levanto-me também e paro no corredor. A porta já está abarrotada e, compreendendo um pouco as leis da física, decido não avançar.
“Tamo chegando com samba e fuzil. Juntando rock e baião na terra do senhorio”, a música continua.
Um senhor se levanta com muita dificuldade. Percebo e o ajudo. Ele dá um sorriso e se apoia nas barras de metal para ficar de pé no corredor. O trem freia bruscamente e ele quase cai. Novamente o ajudo a se equilibrar.
Vejo que é melhor eu dar espaço para ele passar. Ele ficará mais seguro à minha frente. Abro caminho e ele passa.
“Bem-vindo ao Brasil! Bem-vindo ao Brasil! Welcome to Brazil!”, o refrão toca bravamente.
Quem aproveita o vácuo é um rapaz mal-encarado. Jaqueta larga e fedida (sim, passou bem próxima ao meu nariz). Sai esfregando aquela coisa nojenta nos outros e empurrando o senhor, que se desequilibra novamente. Consigo segurá-lo mais uma vez e fico puto com o mal-educado, que não deve ter máquina de lavar em casa. Nada faço. Fico no meu lugar e espero o trem chegar à estação. Opa! Parou.
Começa a procissão, a luta, a guerra. É tudo normal, cotidiano. Ultrapasso e sou ultrapassado. Enfim, saio do trem.
“Seja bem-vindo a pátria que me pariu. Chanchada quente, mulher nua com frio. Gentileza pra quem é gentil. Gringo importa cheio, a gente importa vazio”, a letra martela, enquanto eu luto por espaço.
Outros duelos em troca de alguns segundos. A escada. Nem é rolante, mas está lotada de gente já na base. Poucos sobem, de fato. Muitos se empurram e se espremem, lutam por um lugar, por uma chance de conseguir subir. Estou na muvuca novamente.
Algo encosta-se às minhas costas. Não ligo. Um casal está no meio da dança alucinante do “quem-chegar-por-último-é-mulher-do-padre”. Ele está preocupado com ela. A coisa nas minhas costas é grande e quente. Viro e vejo que é uma barriga. Uma barriga de alguém muito gordo e alto. O homem do casal está realmente protegendo a mulher. Ela está grávida! A pança do mal-educado faz pressão na minha lombar, cutuca e empurra cada vez mais forte. Eu estou parado, esperando o casal passar. A pressão nas costas é forte. Cada vez pior.
“O povo não quer mais ser nem um pouco sutil. E assim já pode mandar pra… Bem-vindo ao Brasil!”, gritava o som nos meus ouvidos.
A mulher grávida passa. O homem faz reverência com a cabeça, agradece e passa também. Quase caio. Desequilibro devido à força nas minhas costas. “A pressa deve ser muito grande”, penso. O empurrão só se intensifica. Respiro fundo e viro indignado. Olho para a barriga, faço cara de merda e, quando vejo o rosto do apressadinho, me surpreendo. É o senhor que ajudei a se equilibrar umas três ou quatro vezes, poucos minutos atrás. Então, já não ligo para empurrões. Olhando para a face do senhor, paro, no meio do caos, buscando uma reflexão, quando sou invadido pelo alto e completamente pertinente refrão: “Bem-vindo ao Brasil! Bem-vindo ao Brasil! Welcome to Brazil!”