Quadrinhos

30 anos de um dia ruim

servido por: Vitor Leobons

“Só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático…”

Esse é o mote principal de uma das mais icônicas histórias do Homem-Morcego. A Piada Mortal surgiu da vontade de Brian Bolland em fazer uma história de Batman e Coringa, com roteiro do amigo Alan Moore.

Foram dois anos, desde o start da DC Comics, até o lançamento e A Piada Mortal se tornou um elemento importante na Batmania que tomou conta do mundo no final da década de 80.

Em 1986, saiu a icônica Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller.

Em 1987, Miller voltou ao personagem e, em parceria com David Mazzucchelli, tivemos Batman – Ano Um.

1988 chegou e a dupla Moore/Bolland acabou sendo responsável por manter o hype dos fãs do Morcego lá em cima.

Só a cargo de curiosidade: em 89, chegou – aos cinemas – o Batman de Tim Burton. E foi o elemento que faltava… mas, voltando!

30 anos se passaram e Piada ainda rende discussões entre os fãs. Moore já declarou – várias vezes – não gostar da história, por achar que ela se baseia em análises psicológicas rasas entre os dois personagens.

Comparada com as duas histórias de Miller, o roteiro de Moore é cheio de maneirismos. E confrontando com outras obras do próprio autor, a trama se mostra ainda mais rasa. No entanto, um Alan Moore no piloto automático é muito superior que 90% dos criadores de quadrinhos na melhor forma.

E, de qualquer maneira, o roteiro encontra – nas mãos de um Brian Bolland inspirado – uma representação visual magnífica. A arte, extremamente detalhista, cria momentos de puro horror. As transições entre presente e flashbacks têm um tom cinematográfico poucas vezes visto nos quadrinhos. O Coringa, no traço de Bolland, talvez não seja o mais icônico, mas é o mais assustador.

A publicação original não foi colorida pelo desenhista. Como medo de atrasar ainda mais o projeto, a DC Comics colocou John Higgins para colorir. Bolland nunca gostou do trabalho do colega britânico e, em 2008, convenceu a editora da necessidade de refazer a pintura. Saíram as cores lisérgicas de Higgins e entrou um tom mais sóbrio e sombrio. Brian Bolland também redesenhou alguns quadros e é essa a versão de 2008, que vem sendo publicada e vendida desde então.

A Piada Mortal é uma história de terror sobre limites. Até onde alguém pode ir antes de quebrar? E a forma como reagimos aos dias ruins é o que nos define?

Mas eu prefiro ver como a grande história do amor insano que o Palhaço do Crime tem pelo antagonista dele. Ao mesmo tempo em que é absurdamente misógina… as duas únicas mulheres apresentadas na HQ são violentadas e descartadas, sem nenhum desenvolvimento das personalidades, sofrendo para causar dor em companheiros. A esposa do Coringa, que morre num acidente, e a Batgirl, que recebe um tiro e é violentada pelo vilão… as personagens femininas acabam sendo usadas como um gatilho para os problemas dos protagonistas.

Enfim…

Piada saiu depois de duas das mais icônicas HQs do Homem-Morcego e acabou trazendo uma abordagem diferente a uma das maiores rivalidades dos quadrinhos de super-heróis. Em relação às duas antecessoras, é uma história crua e mundana. Mas, ao mesmo tempo, com menos respostas e aberta à interpretações.

Inclusive a violência que Bárbara Gordon sofre – ainda hoje – é um ponto de discussão… não fica claro o quão longe o Coringa foi. E a DC Comics tentou garantir essa dúvida, ao fazer Bolland alterar as fotos que o Palhaço do Crime exibe para o Comissário Gordon no trem fantasma.

O final da história, por exemplo, é algo discutido entre os fãs até hoje. Grant Morrison diz que Batman mata o Coringa no final da HQ. A risada interrompida de forma repentina seria a prova dessa teoria… o estupro da Batgirl é mais um elemento que gera discussões, com entusiastas afirmando que aconteceu a violência sexual; e outros que não… a própria origem do Palhaço do Crime pode ser uma completa mentira, elaborada pela mente doentia do vilão… enfim…

A graphic novel levou três Eisner e quatro Harvey Awards. Os dois prêmios mais importantes da indústria de quadrinhos estadunidense. É uma das HQs mais vendidas – em toda a história – do Batman e da DC Comics.

Aqui no Brasil, foi lançada em 88 e relançada em 99, pela Editora Abril. Em 2005, a Opera Graphica editou uma opção em preto e branco, inspirada numa versão de bolso, publicada na França, e que mudava completamente as páginas de Bolland.

Alguns anos atrás, Mark Hamill anunciou que adoraria voltar a dublar o Coringa em uma adaptação de A Piada Mortal… Bruce Timm conseguiu oficializar o projeto. Com roteiro de Brian Azzarello, o filme acabou se mostrando um grande erro, ao incluir um desnecessário prólogo sobre a Batgirl. O que serviu para dar foco à violência que a personagem sofria nos quadrinhos. Mudou completamente a abordagem e o sentido do argumento original e só aumentou os traços de misógina que o texto já tinha. Enfim…

Esqueçam a animação!

Fiquem apenas com o quadrinho!

30 anos depois, mesmo com alguns poréns, ainda é uma história honesta do Coringa e do Batman. E, como uma boa HQ do Palhaço do Crime, ela deixa mais perguntas que respostas…