Arlequinadas
“Infantil é o teu sorriso.
Na cabeça, essa é de vento:
Não sabe o que é pensamento
E jamais terá juízo…”
Trecho de Arlequinada, de Manuel Bandeira.
Resolvi começar com uma citação para dar um ar cult à minha coluna de quadrinhos!
Enfim…
Dito isso…
Mais um carnaval chegou e se foi. Inspirado por esses quatro dias de folia, resolvi falar sobre Harley Quinn. Criada por Paul Dini e Bruce Timm, em 1992, para o episódio 22 da fantástica (e que um dia merece ser tema de uma coluna) Batman: TAS. Fez um sucesso do cacete e logo migrou para os quadrinhos. Teve uma série própria, foi coadjuvante em várias outras… blá blá blá!
E confesso que li pouca coisa desse material.
Até que Os Novos 52 chegaram! O famigerado reboot da DC, de 2011.
Harley se tornou integrante do Esquadrão Suicida e logo ganhou a devida série novamente. E é exatamente nessa versão da personagem, que saiu desse reboot, onde queria chegar.
Dito isso também…
O mesmo reboot que fez a fodástica Oráculo (a maior e mais influente hacker do universo DC) voltar a ser apenas Batgirl, transformou a “nova” Arlequina em uma personagem muito mais sexualizada do que a versão anterior. Basta compararmos os dois uniformes para você entender o que estou falando.
Vivemos em tempos, definitivamente, interessantes! As mulheres vêm ganhando mais voz, mais representatividade. E, no meio desse movimento, temos a Arlequina.
Uma personagem carismática pra caramba e que poderia ser um exemplo interessante. Uma mulher que passou por uma série de abusos, que perdeu tudo por conta de um relacionamento venenoso e, em determinado momento, decidiu dar um basta e seguir com a vida dela. Tentar superar o passado, corrigir os erros e curar as cicatrizes.
Quantas mulheres, que nós conhecemos, não tem uma história parecida?
Nas mãos certas, poderíamos ter uma HQ marcante e que poderia render discussões produtivas. Mas não é o aconteceu…
Amanda Conner assumiu os roteiros, acompanhada do marido Jimmy Palmiotti… e o resultado é uma HQ estranha.
Já tivemos boa parte desse material lançado por aqui. Foram três especiais e dois encadernados ao longo desse último ano.
E após ler tudo, só consigo pensar na HQ esquisita que temos e na ótima oportunidade jogada fora. Ao mesmo tempo que temos uma personagem tentando superar um trauma e ajudar as pessoas ao redor dela, temos uma figura desnecessariamente sexualizada. Em um momento tão importante como o que estamos vivendo, acabamos com mais uma pin-up para os leitores masculinos fantasiarem.
A boba participação da Poderosa – em algumas edições do segundo encadernado – é uma prova disso…
O mal explorado relacionamento aberto com a Hera Venenosa também…
É uma HQ de leitura fácil. Que rende uma boa piada aqui e ali. A metalinguagem não é nenhuma novidade (nada que a Mulher-Hulk – do Byrne – não tenha feito muito melhor e muito antes), mas é um recurso que tira a série do lugar comum, que é o alicerce do restante dessa ação de Os Novos 52.
Só que, no final das contas, tudo vira uma bobagem única e o grande desperdício de uma ótima iniciativa.
Precisava ser um manifesto feminista? Uma forma de tentar conscientizar os leitores? Ou algo do tipo? Não…
Mas se a DC fosse só um pouquinho mais inteligente, talvez não tivesse jogado essa bela oportunidade fora.