Cinema

A Baleia | Crítica

servido por: Ronald Johnston

Preciso ser franco com vocês…

Como começar esse texto??

Sério…

Sem brincadeira.

Ainda estou repercutindo o que senti.

E que gerou um imenso ponto de interrogação na saída do cinema.

“Conferir se Rick O’Connell merece a estatueta?”

Bom, obviamente essa seria a opção mais votada se fosse uma enquete.

Com certeza, entrega uma atuação impressionante!

Isso para dizer o mínimo!

Apesar da maquiagem pesada e próteses (aliás, está competindo), vemos expressão facial, dor e a sinceridade passada no olhar…

Juntamente com a verdade na voz, criam uma comoção profunda.

Mas essa obra talvez seja sobre aquilo que não queremos ver…

Logo no início, vamos conhecer parte do martírio desse protagonista, instigando a turma na aula on-line.

A câmera desligada, alegando que está quebrada, é explicitamente por vergonha em relação à aparência.

Se alguém bate à porta, dificilmente interage.

Um homem solitário e recluso, que se esconde em uma pequena casa…

A dificuldade de locomoção o limita.

Estampa uma delicadeza e a tristeza daquele que abdicou dele mesmo…

Reiteradamente pedindo desculpa, sem ter feito nada.

E passa os dias à deriva da própria existência, aguardando o inevitável fim.

Assombrado pelas consequências de escolhas duvidosas e por um passado doloroso, que ocasionaram marcas irreversíveis.

Com poucos segundos de projeção, já somos tomados por esse desconforto…

Enquanto descobrimos os traumas que ele carrega.

E a crença inabalável na bondade humana.

Um exemplo é o pedido repetitivo aos alunos, para que se mantenham honestos nas redações.

Se estabelece como um otimista incorrigível e isso é mostrado que nem problema…

Mas define quem realmente é, esperando que as pessoas sempre tirem o máximo de si.

Abrindo o leque a várias discussões sociais: saúde, amizade, amor, família, religião, dinheiro, sexualidade, preconceito, etc.

Sim, os trabalhos de Darren Aronofsky são polêmicos.

Fico na dúvida se perder espaço abordando isso é o caminho para interpretar A Baleia.

Porque é um diretor controverso.

Na maioria das tramas, uma parcela acha que quer apenas chocar, usando e abusando do sofrimento alheio para provocar algum abalo genuíno no espectador.

Constantemente levando profissionais ao limite da performance. Trouxe O Lutador e Cisne Negro às telonas.

Não se distanciando de um tom pessimista/realista quanto ao destino dos personagens.

Jamais pega na mão da audiência, geralmente pretende incomodá-la.

Um pelotão de fuzilamento tem mais sutileza.

Inspirado em uma peça escrita por Samuel D. Hunter. Fiel à influência do teatro na proposta narrativa, especialmente com a disposição cenográfica nesse ambiente singular.

As visitas que Charlie recebe são como a troca de atores no palco.

No ponto de vista cinematográfico, a concepção se encaixa na linguagem e gera as sensações vividas pela figura central. Estamos presos ali.

Os designs de produção se destacam no currículo do cineasta.

Ganham protagonismo. Isso ocorre com a residência idealizada por Mark Friedberg, tal qual aconteceu em Mãe! (Philip Messina).

Nos dá uma sensação de desamparo, que o descaso vai além…

Confirmando a depressão que o assola.

A chuva torrencial insistente ressoa e reforça essa angústia.

O enquadramento de Aronofsky é claustrofóbico.

Capaz de construir uma atmosfera que sufoca até o público.

E o desenrolar do longa no período de uma semana?

A passagem de tempo é diária, nos jogando nessa contagem regressiva para autodestruição.

Em nenhum instante da jornada, deseja melhorar a respectiva situação.

Forte!

Bora detalhar a maestria desse elenco, que conta com interações convincentes.

Pensa que é somente esse ícone dos anos 90, astro de George, o Rei da Floresta e A Múmia??

Posso citar Viagem ao Centro da Terra na década seguinte para os novinhos…

Forçado a se afastar dos holofotes por um hiato dolorido (conceito amplo) na carreira.

Brendan Fraser oferece gentileza e humanidade para fugir da caricatura, se submetendo ao estado extremo de pura fragilidade psicoemocional.

Agora, distante das comédias, Fraser é indicado ao Oscar pela primeira vez.

Porém, para mim, a surpresa é Hong Chau.

A condição do amigo, com quem compartilha uma conexão especial, deixa Liz temerosa.

Enfermeira, consegue ajudá-lo, ainda que não veja uma luz no final do túnel.

A atriz, que arrasou em O Menu, tem a árdua missão de dosar uma mulher cética e raivosa, mas também vulnerável…

Há algo de verdadeiro e difícil aqui, na forma como ela percorre um caminho turvo: facilitadora da tragédia ou única salvação.

A abordagem curta e grossa funciona bem durante o filme. São batalhas frequentes entre os dois, de maneira amorosa e solidária.

Contudo existem momentos de leveza e piadas.

Chau concorre na categoria coadjuvante.

Não à toa, a razão dela permanecer ao lado de Charlie me comoveu muito mais do que os outros pretextos de ajuda.

Lidando com fantasmas, o missionário Thomas busca a redenção pessoal.

Direto de Vingadores: Ultimato, Ty Simokins apresenta um questionamento à fé e o impacto da devoção.

Mas a conclusão fraca, e sem grande efeito, serve simplesmente de trampolim para Sadie Sink.

Famosa por Stranger Things

Toca Running Up That Hill!!

OK, voltando…

Reativa, manipuladora e raivosa.

Assim defende o posto de ser uma das gratas revelações da nova geração.

Ellie é confusa, uma adolescente frustrada e revoltada com o abandono paterno.

Apreensiva ao encará-lo, é agressiva.

Após quase uma década sem contato, o pai se esforça para voltar a ter contato com a filha.

É uma luta fadada ao fracasso…

Perceber que não vai dar para o relacionamento se restabelecer é desesperador.

A jovem é o elo que nos fará entender a complexidade do papel principal.

Ah, o título faz uma alusão ao clássico da literatura Moby Dick.

A metáfora está subentendida, ambos sofrem por causa da própria natureza…

Insociável depois da morte do parceiro, enfrenta obesidade mórbida e compulsão alimentar, com o psicológico frágil… totalmente destruído.

O sensacionalismo me incomoda…

O vício em comida é retratado com dramaticidade exagerada.

Uma interpretação de animalidade, embora seja um intelectual.

O debate do consumo excessivo é necessário, lógico, mas não precisa das diversas sequências ao som de uma trilha incisiva e um tanto apocalíptica.

E na última cena, mesmo trazendo a libertação, achei que fugiu da pegada original.

Inquietante e arrebatador.

Nunca confortável…

Retrato verossímil de uma realidade. Obrigado pela sociedade a se curvar diante daquilo que o sistema julga correto.

Uma viagem tocante, emocionalmente estafante e dramática.

É um longa-metragem problemático? Sim. Vale a pena ser visto? Evidentemente.

Três mensagens que me marcaram…

1) quão sombrio o luto pode ser quando não tratado e encarado de frente.

2) a culpa que guardamos no decorrer das nossas vidas e como isso se reflete em nós.

3) é sobre acreditar no melhor de cada um.

Triste e potente.

Provavelmente, não vou assisti-lo de novo.