Cinema

Argentina, 1985 | Crítica

servido por: Caio Sandin

Nas aulas de história, aprendemos que, entre as décadas de 1960 e 1980, diversas ditaduras militares foram implementadas em países da América Latina, com auxílio de grandes potências, e, independentemente do motivo inicial alegado, estes regimes oprimiram populações por meio da força e mataram ou reprimiram opositores por meio de tortura e de inúmeros métodos inomináveis. Mas pouco se fala do que se fez com os integrantes e chefes de tais ditaduras após a queda destas. Pelo menos, não aqui no Brasil. E esta é uma aula importante demais.

E sair da inércia da impunidade não é tarefa fácil, muito menos quando o alvo são os antigos comandantes, que já demonstraram a total falta de escrúpulos ou mesmo de qualquer mínimo resquício de humanidade durante tantos anos e em tantas ocasiões. Mas Argentina, 1985 prova que existem, sim, pessoas capazes de cumprir até mesmo a mais hercúlea das missões e inspirar uma mudança em toda a população de um país.

Sem cair no conto heroico básico ou mesmo em estruturas clássicas, como a jornada do herói, o filme, indicado ao Oscar de melhor produção em língua estrangeira, consegue transportar o espectador para o momento histórico e transparecer todas as aflições e ambições de uma profissão que pode se tornar extremamente tediosa, mas que, quando usada de maneira inteligente, se transforma em uma arma vital para a democracia. Com bons personagens e conflitos que sempre soam verdadeiros, as dificuldades apresentadas e as soluções encontradas pelos protagonistas fazem com que o público vibre e embarque nessas jornadas, torcendo pelo resultado como numa partida de futebol.

As atuações extremamente competentes e a entrega de todos os envolvidos, com destaque óbvio para Juan Pedro Lanzani e para o sempre brilhante Ricardo Darín, só demonstram o quão importante o filme é para um povo que não quer esquecer tudo o que sofreu.

A estrutura do longa, que relata, quase como em um diário, cada passo da investigação, desde a chegada do processo à mesa do promotor Strassera até o julgamento final, nos dá noção da maçante quantidade de trabalho, das inúmeras escavações em histórias de incontáveis pessoas e famílias afetadas pelo regime. Tudo isso contando com uma equipe pouco acreditada e com poucas chances. E mantendo a analogia esportiva, nada melhor do que torcer para o azarão.

Depois de nos mostrar toda a pesquisa realizada e a entrega de incontestáveis evidências, o longa consegue nos deixar novamente desesperançosos quanto ao sucesso de nossos protagonistas, demonstrando articulações internas e as engrenagens girando contra o movimento pelo qual estamos vibrando. E é nessa virada que a película se transforma em um excelente “filme de tribunal”, com testemunhas comoventes, falas marcantes, tramas e contragolpes constantes que fazem a ansiedade pelo veredito final cada vez maior. Uma mistura brilhante que não deixa o espectador tirar os olhos da tela, independentemente de quantos acréscimos serão dados ao final do segundo tempo.

Argentina, 1985, o filme, é uma fusão de tudo que o bom cinema tem a oferecer. Atuações incríveis, uma história impactante, contada de maneira excepcional, uma narrativa cativante com conflitos interessantes e um desenrolar no tempo certo, além de respiros pontuais para entregar humor em meio à tensão e vitórias no meio da batalha. Uma aula de como se fazer um longa. Já Argentina, 1985, o julgamento, é o exemplo de como deveria ter sido o rescaldo de todas as ditaduras. Expondo todos os crimes cometidos, punindo os verdadeiros culpados, para impedir que o horror se repita.