Crônica

O pescador solitário

servido por: Bethânia Morico

No cais dos pescadores, em Paraty, fileiras de barcos de madeira repousam em silêncio. Quatro homens, todos sem camisa e com pele muito morena, queimada de sol, correm para descarregar o pescado. São três da tarde e preciso embarcar para o Pouso da Cajaíba o quanto antes, ou corro o risco de chegar à noite. Sem luz do sol e sem energia elétrica, montar a barraca vai ser uma tarefa complicada. Os homens não vão e não sabem quem vai para a praia, distante quase três horas.

Mais adiante, um grupo de jovens conversa perto de um barco. Um deles tenta me ajudar. Caminha ao meu lado, coçando a cabeça, como se um carinho pudesse fazê-la se lembrar, com facilidade, de um amigo, parente ou conhecido que vai para o Pouso. Enquanto andamos, tento ler os nomes de algumas embarcações. Carlos Magno, Nathalia, Esperança, Marujo… uma a uma, deixamos todas para trás. De repente, um homem baixo e tão moreno quanto todos os outros para em nossa frente. Tem a fala rápida e descontínua. Não entendo uma só palavra do que diz – só sei que sorri um sorriso largo depois de cada frase, compreendida ou não.

“Encontrou a sua carona… o Dito aqui disse que te deixa no Pouso”, explica o jovem que tentava me ajudar.

Agradeço a gentileza e começo, agora, a caminhar ao lado de Dito.

O pescador usa uma camisa social branca, dessas de manga curta. Os pés estão descalços e a calça de brim é de um preto já bem desbotado. Ele avisa que precisa descarregar o peixe e repor o estoque de gelo antes de partir. Fará tudo sozinho, já que os irmãos, parceiros de pescaria, não vieram. Pede para eu me abancar sob um coqueiro e esperar o sinal.

Durante pouco mais de uma hora, vejo Dito descarregar os cento e vinte quilos de Bonito. Falta o gelo. Serão seis caixas. O pescador me chama e acompanho, do barco, esta última tarefa. O sobrinho do dono da peixaria entrega, caixa a caixa, o gelo para Dito. O pescador está molhado de suor. Faz tudo com pressa, sem parar para descansar. Assim que o gelo é posto no lugar, Dito sai correndo com duas sacolas cheias de peixe. Grita para eu pegar a nota com o comprador e só volta meia hora depois. Às cinco da tarde, o barco zarpa.

Dito é apelido de Benedito. Ele tem quarenta e nove anos, nasceu na praia de Calhaus e não se casou, mas diz que vai casar ainda este ano. Os três irmãos, todos casados, ficaram em Calhaus. O pai e outras duas irmãs vivem em Paraty. Os peixes das sacolas eram para eles.

Faz um mês que a família conseguiu juntar dinheiro para comprar um sonar. Mil e quinhentos reais pagos na hora. Todo prosa, Dito liga o aparelho e começa a me ensinar a leitura. Passamos, naquele instante, por um cardume de sardinhas. Cada pontinho é um peixe. Na tela, o pescador vê ainda a profundidade e onde estão as pedras. Mesmo com a tecnologia, Dito reclama que a pesca tem fracassado. O diesel, combustível dos barcos, está caro e o gelo, um absurdo: sete reais a pedra!

A bateria do meu celular terminou pouco depois de deixarmos o cais. Não tenho relógio, mas sei que é tarde. Do barco, tudo o que enxergo é o brilho de uma lua nova. Nenhuma estrela nos acompanha esta noite. Fazemos uma curva. Neste trecho, o mar está bastante agitado. As ondas invadem o barco e me molham os pés. O Real I ainda vai passar pela praia de Calhaus. Dito precisa pegar um pequeno bote para conseguir me deixar no destino.

Quando avistamos o Pouso, ninguém está na praia. Dito diz que vai encalhar bem a canoa para que eu não molhe os pés. Cumpriu essa promessa e piso no seco, mas o mar tem lá uns caprichos. Antes de me mostrar a direção do camping do Lourival, uma onda travessa carrega a canoa. Dito corre para não perder o transporte e grita:

“Siga em frente! Logo atrás da igreja, você vai encontrar um caminho. Siga em frente e vai achar o Lourival.”

O homem, que sorri largo depois de cada frase, desaparece, sozinho, na escuridão. Aponto a lanterna para a pequena igreja, localizada bem no centro da praia, e ouço o conselho do meu amigo pescador. Vou em frente.