Crônica

O sommelier

servido por: Bethânia Morico

Em Jaguaribe, no Ceará, Ruan gostava era de tomar cachaça. Aos dezoito, desembarcou em São Paulo com o mesmo sonho de tantos migrantes: trabalhar e, quem sabe, enriquecer. Virou garçom. O patrão o fez entrar num curso para entender de cerveja. Ele fez e gostou. De garçom, acabou sommelier.

No bar de porta pouco chamativa, na Avenida Pedroso de Morais, funciona uma fábrica de cerveja artesanal. Os rótulos são quatro, todos inspirados em lendas brasileiras. Ruan explica o IBU, o SRM e sugere uma degustação de cada uma delas.

Domina Weiss é uma loira de espuma branca e notas de banana e cravo (banana, eu não senti, mas juro que, no fim, o gostinho de cravo fica na boca).

A Y-îara Pilsen, inspirada na lenda da sereia que vive no rio Amazonas, chamou mais a atenção pelo folclore. Diferente da Mula IPA, que surpreendeu. Um amargor absoluto (típico das Índias) toma conta, do início ao fim, do copo da bebida, de cor caramelo. De cara, achei que detestaria. Nunca gostei de cerveja amarga, mas me rendi frente a uma mula sem cabeça.

A Kurupira Ale foi a que menos agradou. Talvez seja porque a cerveja de nome Sa´Si (assim mesmo, com “s”) tenha feito mais peripécias ao paladar: era para ser uma escura clássica inglesa, encorpada e com bastante lúpulo. Só que, ao vestir o gorro vermelho, quem segura esse saci? À boca vem café e chocolate, que tratam de dar um doce equilíbrio a essa cerveja, cujo gosto é mesmo de travessura.

Ruan diz que sommelier de cerveja não ganha mal, mas não teve jeito. Arrumou as malas e voltou para Jaguaribe. E não foi só para visitar a família, não. Hoje, aos vinte e dois anos, entende de cerveja como muitos gostariam de entender. Sente cada sabor, explica cada cheiro. Diz até que já sentiu aroma de cavalo numa marca que, malfeita, não vale a pena difamar. Mas Ruan sentia uma saudade danada da mãe e achava mesmo que a vida seria melhor criando cabritos.

Agora, pergunte a ele se lá em Jaguaribe, mesmo entre os caprinos, não vai arrumar tempo para fazer a própria cerveja?

Ah, Ruan já sabe tudo o que precisa. Acho até que ele encontrou a mãe, com uma colher de pau, mexendo o malte numa panela bem grande. Saudade por lá deve, agora, ir embora com uma boa cervejada.