Crônica

O dono do camping

servido por: Bethânia Morico

Pequenos pontos de luz ao longo da ilha… é o que se vê na noite em Pouso da Cajaíba. Lampiões, lanternas, velas. A rede elétrica marcou data para chegar: agosto. Até lá, quem vive por aqui toma banho quente em chuveiro a gás e dorme ao som de geradores movidos a diesel. São quase nove horas da noite no camping. Quem me informa é o proprietário, seu Lourival, um pescador aposentado, de setenta e um anos, que viu, no turismo, uma forma de melhorar a renda da família.

Em menos de dez minutos, iluminada pela luz do lampião de seu Lourival e por uma daquelas lanternas que se prende na cabeça, monto a barraca. Em um dos lados, as estacas não conseguem perfurar o solo. Seu Lourival aparece com um martelo e, em três pancadas bem dadas, tenho um abrigo esticado.

O pescador, que virou dono de camping, também aluga, na alta temporada, as casinhas onde a família vive. No ano novo e carnaval, centenas de turistas se espremem para farrear no Pouso. No quintal de Lourival, onde funciona o camping, já existiu uma horta. Dona Odete, a esposa, plantava cenouras, abóboras e mandioca. Hoje, o terreno está coberto por uma grama bem aparada, para atender aos aventureiros. A ideia, conta seu Lourival, surgiu dezenove anos atrás, quando um desconhecido apareceu com uma barraca e pediu para ficar por ali. Uma semana depois, vieram outras duas barracas. Lourival tem até página na internet, mas não foi ele quem fez – o pescador, aliás, nem sabe qual boa alma resolveu divulgar o endereço do refúgio dele.

O rosto magro de Lourival é adornado por cabelos muito brancos e um bigode fino, quase imperceptível na pele morena. O homem tem voz serena e fala cantada. Carioca, conversa sem sotaque e torce para o Santos. Lembranças de uma vida de andanças. Nasceu no Pouso, mas pegou o caminho do mundo assim que aprendeu a pescar, aos nove anos. Trabalhou em embarcações no litoral paulista e catarinense. Conta, com orgulho, que tinha faro para encontrar cardumes – e tudo sem a aparelhagem de hoje. Mas, da mesma forma que ganhou, perdeu rapidamente o dinheiro das pescarias. Dona Odete interfere e solta, de uma só vez, que o marido vivia bêbado. Lourival disfarça, finge não ter ouvido a revelação, mas não desmente a esposa. Confirma, minutos depois, que teria uma vida diferente, não fosse o álcool.

Ficamos, os três, em silêncio, na varanda. Lourival aponta a cabeça branca para a mata. Desconfio que ele pensa nos seis filhos, mas não pergunto. O homem, acostumado com o revés do mar, precisa, agora, de calmaria.