Crônica

O presente de Maria

servido por: Bethânia Morico

Maria cumprimentou a sobrinha com um longo abraço. Há dez anos não via aquele rosto familiar.

– Como cresceu! Conheci você quando ainda era uma menina e, agora, é uma mulher. Quantos anos tem?
– Já estou com vinte, tia.
– E esse rapaz aí, é filho de quem?
– Esse é o neto mais novo da sua irmã. É filho da Neide.
– A Neide! Há quanto tempo eu não a vejo. Continua bravinha?
– Continua a mesma.

Maria senta-se no sofá da casa da irmã, onde vai passar uma temporada. Os sobrinhos vão até a cozinha, preparar o lanche da tarde para as senhoras, que relembram, na sala, os causos de outrora. Assim que chegam com a bandeja, Maria os observa desconfiada.

– Quem é você?

A pergunta deixa os jovens desconcertados.

– Tia, eu sou a Alice. Filha da Benedita.
– Alice! Como cresceu! Conheci você quando ainda era uma menina e, agora, é uma mulher. Quantos anos tem?
– Tenho vinte.
– E esse rapaz aí, é filho de quem?
– É filho da Neide.
– A Neide! Há quanto tempo eu não a vejo. Continua bravinha?
– Continua a mesma, tia. Continua a mesma.

Os jovens trocam olhares com a avó e saem, deixando a comida sobre a mesa de centro.

Maria já passou dos oitenta anos. Está na casa da irmã mais nova para arejar a cabeça – agora esquecida. Ela lembra com destreza do passado, mas não tem forças suficientes para agarrar o presente. O hoje de Maria acontece e escapa quase simultaneamente. Ninguém perguntou ainda se ela sabe que isso acontece. Todos entram no jogo da memória de Maria e repetem, exaustivamente, as mesmas respostas.

Sentada à mesa de jantar, ela já comeu, sem perceber, cinco pedaços de pudim. Esqueceu que já tinha passado pela sobremesa. Os sobrinhos olham curiosos, enquanto a senhora volta a se impressionar com a gostosura do doce. Pena mesmo – pensaram os olhares juvenis – é ela não poder escolher o que esquecer. Fosse assim, os sobrinhos têm certeza, ela apagaria as surras que levou do marido e a perdição que enfrentou com a bebida. Mas, já que ela é obrigada a conviver com as amarguras do passado, nada mais justo que adocicar essas lembranças.

– Tia, veja que beleza esse pudim. Não quer experimentar um pedacinho?