Cinema

Godzilla 2014: a missão – vamos destruir o Japão!

servido por: Leonardo Rocchetti

Sempre fui fã de filmes de monstros e da cultura japonesa em geral. E, sabendo disso, um amigo me presenteou com o blu-ray do Godzilla de 2014.

Ele não sabia, mas assisti a este filme no cinema e tinha achado tenebroso.

O bom de sermos amigos é que, mesmo lendo esta singela crítica ao filme, continuaremos amigos.

Os americanos não se cansam de destruir o Japão. Primeiro com as bombas nucleares de Hiroshima e Nagazaki. E, agora, com esta bomba chamada Godzilla, destruindo um dos maiores ícones do cinema japonês. Assim como o cinema americano tem uma enorme capacidade de criar grandes histórias, tem também a enorme capacidade de destruir e avacalhar personagens em adaptações cada vez mais vazias, para uma cultura pasteurizada e tola.

Godzilla ou Gojira, como é conhecido no Japão, é muito mais do que um aglomerado de efeitos especiais, com uma história pobre, torcendo para que um ator com carisma na atualidade (Bryan Cranston) e um bonitão (Aaron Johnson) resolvam e tornem o filme em algo com apelo. O próprio contexto em que foi criado o personagem é muito mais do que o cinema americano e o espectador médio, no melhor estilo ‘MURICA!, pode conceber.

Claro, o filme possui todos os chavões: referências vazias para os pseudosaudosistas (fingindo ser homenagens), efeitos especiais de última geração, o super-herói americano, um pano de fundo emocional com a profundidade de um pires e outras pieguices.

Quem assistiu ao filme original, de 1954, sente-se aviltado com tanta groselha no decorrer dos 123 minutos de duração.

Vamos a uma rápida aula de história, para que seja possível entender não só de onde vem a força motriz que faz com que Gojira, de 1954, seja um verdadeiro clássico do cinema e Godzilla, um lixo plastificado dos anos 10. Em 1945, os americanos haviam devastado duas cidades japonesas com bombas atômicas. São apenas nove anos que separam a data do lançamento das bombas e do filme. Estavam imagem (de destruição) e, principalmente, pavor ainda estão muito presentes na mente dos japoneses.

A partir destes sentimentos, Ishirô Honda escreveu e dirigiu este clássico. Muito mais do que um filme de um monstro que destrói tudo o que vê pela frente, é a representação física do pavor da era nuclear, sob o ponto de vista do único país que realmente foi afetado por esse poder destrutivo. Esta alegoria (que no filme aparece muito pouco, mas tempo o suficiente para demonstrar o poderio destrutivo) é muito mais poderosa do que milhões de dólares gastos com efeitos especiais em um filme vazio e sem alma… como esta versão atual.

Para notarmos a diferença qualitativa, especialmente no roteiro dos dois filmes, vou comparar duas cenas pontuais de ambos. Em Gojira, o momento de maior catarse é uma mãe que, junto com os três filhos, enquanto Godzilla destrói Tóquio, tenta confortá-los, dizendo que, em pouco tempo, eles se reencontraram com o pai. No filme de 2014, a mulher do protagonista interpretado por Bryan Cranston morre por um vazamento na usina nuclear em que trabalham. A diferença no sofrimento dos personagens dos dois filmes e na representatividade emocional é absurda: a primeira tem profundidade, traz à tona sentimentos nos espectadores, além, é claro, de fazê-los pensar; enquanto no segundo, usaram um clichê para ter uma história triste de pano de fundo para o ator principal e ponto… nada mais do que isso!

Muitos podem dizer que foram feitos vários filmes do Godzilla após o original e que vários se assemelham a este recém-lançado. Sim, eu concordo. Vários, no melhor estilo Tokusatsu: Godzilla versus Mothra, Gamera ou ainda King Kong. Então que chamassem o filme com este nome: Godzilla versus quem quer que seja. Não façam trailers fingindo que o longa tem alguma profundidade emocional e não prestem “homenagens” ridículas para parecer que estão fazendo alguma referência ao original.

No primeiro filme, o Dr. Serizawa, que apesar da ciência totalmente furada, possui uma representatividade incrível, se nega a entregar a arma, para que não aconteça com outros o mesmo que os EUA fizeram com o Japão na Segunda Guerra. Diferente do personagem bidimensional da nova versão. E aquele ataque ao monstro então, por americanos e russos, em 1954 (ano de lançamento do clássico)… este tipo de homenagem estúpida que faz o filme parecer ainda mais idiota para quem conhece o original.

O pior é saber que um segundo filme já está garantido e, provavelmente, um terceiro também será lançado.