Cinema

O demônio me fez fazer isso

servido por: Ronald Johnston

Sim, esse deveria ter sido o título! É o original em inglês! Quem acompanha o Open Bar, sabe da minha implicância com certas traduções, mas assiste e fala na minha fuça que estou errado…

“Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio” chegou aos cinemas brasileiros nesta semana, depois de cinco anos de jejum da saga. Nele, os investigadores de atividades paranormais Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warrenn (Vera Farmiga) vão vasculhar o caso de Arne Cheyenne Johnson, primeira pessoa nos Estados Unidos a se defender de uma acusação de homicídio alegando estar possuído.

Sim! É uma história real de assassinato por possessão demoníaca nos anos 80!!

Trata-se de um mal desconhecido que chocou até os experientes investigadores de atividades paranormais. Começa com uma luta pela alma de um garoto, depois arrasta a dupla para além de tudo o que já haviam visto antes.

No verão de 1981, Ed e Lorraine estão na casa da família Glatzel para realizar um exorcismo no filho caçula, David (Jullian Hillard, de WandaVision). Possuído por um demônio desconhecido, o garoto apavora a vida de todos ao redor. Toda a sessão de exorcismo é tomada pela tensão característica dos longas anteriores e o ritmo frenético não dá espaço para personagens e público respirarem. David grita, corre e se contorce, enquanto a família e os Warren lutam para expulsar aquele ser maligno do corpo dele.

Bem pensados, os primeiros 15 minutos fazem claras referências ao clássico O Exorcista (1973). Desde a chegada e as roupas do padre… ao nome de um médico do hospital local. O demônio é expulso do corpo de David, mas apenas porque Arne, o namorado de Debbie (Sarah Catherine Hook), filha mais velha dos Glatzel, se ofereceu para ser o “recipiente” no lugar do garoto.

Aí, quando tudo parecia estar bem para os Glatzel, o tinhoso volta a se manifestar apenas alguns dias depois, mas de maneira mortal. Desnorteado pelo demo, Arne ataca e mata com diversas facadas um homem, causando o primeiro assassinato da história de Brookfield. Mais uma vez, os trabalhos de Ed e Lorraine são solicitados.

Para lidar com um caso delicado desses, a tradicional fórmula de casa assombrada dos antecessores é deixada de lado… e o longa coloca os protagonistas em uma verdadeira investigação policial para tentar reunir evidências palpáveis que justifiquem o ato horrendo cometido pelo rapaz de 19 anos. É aqui que o filme começa a se destacar do restante da franquia.

Entregues aos personagens, Vera e Wilson, que adicionam uma emoção incrível e dimensão aos papéis, estão tão bons como sempre, quase compensando a falta de drama humano em outros lugares. Sem outra família para causar arrepios e emoções, como os Perrons no primeiro filme e os Hodgsons no segundo, os Warren lidam com a carga emocional da terceira parte.

No entanto, nem mesmo a qualidade da atuação da dupla resgata a trama de cair na armadilha que o próprio filme criou. A falta de conhecimento sobre o que teria trazido o demônio para perto de David e Arne coloca os Warren liderando uma investigação desinteressante (e desconexa) pela cidade e arredores.

Para quem não conhece, a franquia de sucesso segue os casos mais célebres investigados pelo demonólogo Ed (morto em 2006) e a médium Lorraine (morta em 2019) por quase 50 anos. E o foco é nos Warren. O casal conquista na química e também nos momentos de tensão.

Mas o filme toma um tom mais romântico já que, além dos Warren, também é um relacionamento que move os personagens secundários. Retratar Arne é um desafio, visto que não é uma figura fictícia, ele de fato cometeu homicídio, mas a versão de Ruairi O’Connor funciona por mostrar o rapaz de 19 anos como uma vítima de forças além da compreensão dele, cujo maior objetivo é proteger a namorada. Assim como o casal principal, os dois também demonstram uma ótima química, o que ajuda a subtrama ser tão intrigante quanto a principal. Outro destaque é Jullian Hilliard, que vive David, o irmão mais novo de Debbie e o primeiro da família a ser possuído… o exorcismo do garotinho foi responsável por conectar os Glatzel aos Warren e, claro, ao eventual assassinato por Arne. O menino surpreende na sensibilidade.

O elenco ainda conta com John Noble, Charlene Amoia, Paul Wilson e Sterling Jerins.

Michael Chaves (“A Maldição da Chorona”) é o diretor do longa. O roteiro é de David Leslie Johnson, coautor de “Invocação do mal 2” e de outros títulos como “A órfã” e “A hora do pesadelo”. E na futura sequência de Aquabro!

Apesar de certas ressalvas quanto ao nível de sustos do terceiro capítulo da franquia, é um filme que, sabiamente, se afasta das fórmulas de casas assombradas. E traz uma sequência de abertura sensacional.

Por se tratar de Invocação do Mal, alguns bons sustos ainda surgem em meio à investigação, mas a opção por deixá-los em segundo plano faz com que a trama principal se torne desinteressante e o clímax pouco efetivo.

O resultado é um filme que busca ao máximo se diferenciar dos anteriores sem perder a identidade, mas abdicando de alguns elementos no processo de mudança.

É importante pontuar que algo se perde nessa mudança. O título mantém muito do charme e personalidade de um Invocação do Mal, mas abre mão de muitos dos sustos para focar mais no suspense.

Com a trilogia principal e oito na franquia, Invocação do Mal começa a demonstrar falta de fôlego para manter o alto nível que um dia atingiu. Caso uma quarta aventura seja oficializada, será necessário encontrar um caso dos Warren que seja tão marcante quanto macabro para, quem sabe, encerrar essa jornada no cinema sem parecer uma caricatura do que já foi.

Mas tenho que admitir… no fim das contas, não dá para dizer que essa mudança de abordagem é um erro. Após cinco anos em um ritmo impiedoso de derivados majoritariamente repetitivos, Invocação do Mal 3 tenta ser um sopro de ar fresco, isso eu admiro. Acertou? Não necessariamente.

Mas, confesso, se uma prévia trouxe um áudio macabro (e real) do exorcismo que inspirou a produção, escutá-lo após assistir ao filme é bem impressionante.

Destaque para os colarinhos dos anos 80 de Vera Farmiga. Além disso: há uma piada de que ri por cinco minutos sem parar – presta atenção quando eles tentam convencer a advogada!

O filme é um bom capítulo para a franquia. Tem coração de sobra e uma história de amor apaixonante. Mas você (Caio Sandin incluído) não vai precisar dormir de luzes acesas.