Cinema

Visual da Broadway nas telonas: os sonhos de jovens latinos na Grande Maçã

servido por: Caio Sandin

Todo mundo tem um lugar especial na vida. Onde todos lhe conhecem, sabem seus gostos, ouvem suas memórias e riem das suas piadas. Seja no mercado do bairro, na farmácia, no seu restaurante preferido ou até mesmo na lanchonete do trabalho, a cantina da escola. Se este local é seu prédio ou quarteirão, então, melhor ainda.

A convivência com vizinhos pode ser complicada às vezes, mas quando se tem algo em comum, essas pessoas podem ficar tão próximas a ponto de virarem uma nova família.

Nos Estados Unidos, esse sentimento de comunidade é ainda mais forte, principalmente nas regiões com muitos imigrantes latinos.

Em um bairro de Nova York é um excelente retrato deste cenário. O protagonista, Usnavi (Anthony Ramos), nos apresenta (quase literalmente, já que as conversas com a câmera são constantes) um quarteirão muito especial de Washington Heights, o bairro do título em português.

Personagens marcantes e, ao mesmo tempo, universais, que fazem qualquer um relembrar do próprio espaço de convívio. Os sonhos deles refletem as ambições de muitos e a luta diária dá o tom realista, fazendo o público embarcar com tudo nas jornadas de cada um, mesmo que, à princípio, a profusão de rostos em tela possa assustar.

Mas não se deixe enganar, Em um bairro de Nova York é um musical. Com M maiúsculo! Seja pela estrutura do roteiro, que usa a trilha composta por Lin-Manuel Miranda como base para elaborar a coluna vertebral do filme e, por ela, guiar a narrativa de cada personagem. Ou pelos visuais estonteantes entregues por Jon M. Chu, que utiliza a experiência de ter filmado Podres de Ricos e aplica toda a megalomania em planos cheios de cor, pessoas e coreografias incríveis.

Falando no diretor, ele sabe filmar, como poucos, tanto a grandiosidade dos números musicais (que movimentam todo o elenco e mais quase uma centena de dançarinos), quanto os momentos mais introspectivos e de conexão entre dois personagens, usando a profundidade de campo e a bela fotografia a favor da narrativa nos dois casos. Mas não somente neles. Cenas de jantares, coreografias e até mesmo comidas ganham um brilho especial no meticuloso trabalho da projeção.

As cores vivas dão um tom otimista e trazem – à tona – o quente verão que o longa retrata, além de darem maior veracidade às roupas dos latinos em tela. E eles não são daqueles para estadunidense ver, não. O espanhol sai das bocas constantemente, sendo em refrões de músicas e aparecendo inclusive em meio aos raps que marcam a trajetória das composições de Miranda.

Como este filme é anterior a Hamilton, o trabalho de Lin-Manuel que se tornou um dos, se não o maior fenômeno da história da Broadway, é possível ver que, em algumas canções, a inspiração não é a mesma dos temas principais. Mas poucos aspectos como esse não diminuem os acertos que são grande parte das aguardadas sequências musicais. São apenas características de um ótimo compositor, mas ainda em evolução.

Merece o elogio na função, pois as principais faixas da trilha sonora ficarão grudadas na sua cabeça, tal qual um chiclete em uma tampa de bueiro. A que abre o longa, assim como toda a parte visual que a acompanha, é excepcional. Bem como a que se passa em uma piscina, na qual Chu faz um espetáculo digno de nota 10.

Comandados por alguns poucos rostos conhecidos, o elenco aposta, acertadamente, em nomes nascidos nos países tão citados durante o longa. E todos entregam sólidas performances, tanto nas cenas de drama, quanto nos atos musicais, que envolvem muita dança e coreografias, por vezes, complexas.

E toda essa diversidade no elenco é refletida nos personagens e, também, nas músicas, que vão transformando a própria melodia ao passarem pelos núcleos e serem cantadas por diferentes pessoas.

Um dos melhores artifícios usados na produção é o fato de termos o protagonista narrando os acontecimentos para crianças. Assim que se inicia a projeção, ficamos sabendo algumas informações e o “como chegou-se até isso” se torna uma situação interessante, que motiva o espectador e os interlocutores do contador da história. As interjeições pontuais desta figura, durante o longa, enriquecem imensamente a experiência e acabam trazendo uma das cenas mais engraçadas e, também, uma das mais emocionantes.

Os únicos defeitos, mínimos, que se pode apontar no longa talvez sejam fruto dessa grande quantidade de personagens secundários. As subtramas são inúmeras e, por conta disso, acabam, em alguns casos, sendo pouco desenvolvidas e, por conta disso, algumas histórias se tornam um tanto quanto superficiais. Talvez intencionalmente, já que não dá para se saber tudo sobre todos os seus vizinhos.

No fim, Em um bairro de Nova York leva o espectador a um show completo. Visuais incríveis, músicas excelentes, personagens complexos, histórias cativantes… e tudo isso embalado em uma narrativa emocionante, engraçada e que demonstra a importância de se construir laços e viver o momento, mas sem deixar de sonhar e agir para que o futuro seja o que se deseja.