Cinema

O Último Duelo | Crítica

servido por: Caio Sandin

Nos últimos anos, os lançamentos de Ridley Scott têm sido uma montanha-russa no quesito qualidade. A grande quantidade de produções pode interferir, e justificar, por que o cineasta viva uma fase tão inconsistente, que conta com fiascos como O Conselheiro do Crime, Alien: Covenant e Prometheus, mas também com o excelente Perdido em Marte. Em meio a esta enxurrada de longas, O Último Duelo toma a dianteira desse pequeno grupo de lucidez em meio à escuridão, que somente o acúmulo de boletos pode justificar.

Contado por intermédio de três pontos de vista distintos, o filme deixa o espectador um tanto quanto perdido no início. Com o passar do tempo e a “convivência” entre os personagens, as tramas – e principalmente as inúmeras datas – passam a fazer mais sentido e a audiência consegue mergulhar neste profundo retrato de uma época tão distante, mas muito atual ao mesmo tempo.

Se em 1300, uma acusação de estupro era tratada como uma forma de desacato aos homens… e, para ser levada adiante, tinha de ser aceita pelo marido, o que não dizer desta década, quando as vítimas ainda são questionadas sobre a veracidade do ato. No caso do longa, os personagens vão duelar para que “Deus decida quem está falando a verdade”.

Ao retratar, primeiramente, os pontos de vista do tal marido e, em sequência, do estuprador, deixando por último o relato da vítima, o enredo sabe – muito bem – que vai fazer o público se aproximar de cada um dos personagens falhos (no segundo caso, um criminoso) para, só então, trazer o depoimento que quebra com qualquer possível encanto ou convencimento trazido pelas explanações anteriores. Demonstrando, assim, como nos apegamos facilmente às primeiras versões de uma história, mesmo não sendo a verdadeira. Os roteiristas também conseguem provar como conexão e empatia são fáceis de se conquistar com um argumento interessante, principalmente quando quem narra é o mocinho. A famosa frase de que os vencedores são quem contam os relatos após o conflito.

A forma como a vítima detalha os acontecimentos e relembra de fatos que passam despercebidos, ou são vistos de forma completamente equivocada nas versões anteriores, também é uma excelente lição, que se deve ouvir todos os lados e, principalmente, como certas atitudes podem ser interpretadas de maneira totalmente errônea, quando desprovidas de contexto.

O diretor, como já é sabido desde Gladiador, sabe filmar muito bem combates corpo a corpo, principalmente os de época, com espadas e outras armas brancas. Os conflitos no decorrer do longa e, sobretudo, o duelo final demonstram que essa é uma habilidade que o cineasta não perdeu. Planos bem executados, uma sequência clara e completamente compreensível e, talvez tão importante quanto tudo isso, a visceralidade e o peso dos conflitos estão presentes no ápice desta trama.

Na essência, a resolução final do conflito entre os dois homens retratados só serve para comprovar o ponto central do enredo: como mesmo sendo quem tinha mais a perder, a mulher, uma vítima que poderia ser queimada viva, é escanteada. Um belo tapa na cara em um grande filme.