Cinema

The Batman | Crítica

servido por: Caio Sandin

O melhor detetive do mundo. É assim que Bruce Wayne e o alter ego dele, o famoso Homem-Morcego, são chamados por fãs e leitores dos quadrinhos, que inclusive incluem o título Detective Comics ao falar do personagem. Mas este lado do herói sempre acabou relegado, abandonado dentro de tantos filmes que o retratam. Até agora.

Batman chega aos cinemas e tenta inovar, em meio a tantas adaptações que trazem o herói mais popular do planeta como o centro das atenções. E o diretor Matt Reeves consegue, entregando uma experiência atual, repleta de referências aos clássicos, com cenas de ação deslumbrantes e, principalmente, mostrando um jovem Batman, que erra, mas se mostra brilhante como investigador.

Reeves traz as narrações por cima das imagens tradicionais de quadrinhos e do cinema noir, para fazer um mergulho nos pensamentos do personagem, que se mostra inabalável sob as vestes, mas que demonstra, por vezes, insegurança e prepotência.

As alusões aos tradicionais longas de detetives, cito Klute – O Passado Condena e Operação França, trazem à lembrança outros mais modernos, como Se7en – Os Sete Crimes Capitais, no qual a influência fica ainda mais escancarada, com a brincadeira de “gato e rato” e a relação entre o assassino em série e o investigador carismático.

E, nisso, a escolha do vilão, Charada, é extremamente acertada, tanto no roteiro, quanto no casting, com Paul Dano. As atitudes do psicopata, apesar de – por vezes – previsíveis, deixam o espectador na beira do assento pelas mais de duas horas do longa. E o ator, “com a cara mais socável da indústria”, como um amigo o definiu, entrega um antagonista atual, que ganha força dentro de pequenos círculos da internet e demonstra o poder real que organizações como esta podem ter. Além de trazer um rosto e uma imagem bastante marcantes, tal qual os grupos que determinam pseudônimos e máscaras próprias e se autodenominam revolucionários.

Enquanto a trama principal se desenvolve, o cineasta aproveita cada chance para demonstrar e contar que Gotham é uma cidade viva, com personagens que se transformam a cada interação e crescem junto com o fluxo dos acontecimentos, aproveitando as oportunidades. Um dos grandes feitos do longa é guiar o público a acreditar que o que estamos assistindo é apenas um recorte de algo maior e que, dali a pouco, nada mais estará no estado que nos é apresentado.

Grande destaque, neste sentido, para o Pinguim de Colin Farrell, que traz as nuances necessárias para um Oswald Cobblepot, misturando a figura do gângster com o lado cômico em parcelas iguais, para torná-lo assustador numa sequência e alvo de risadas na seguinte. A cena de perseguição, envolvendo o batmóvel, é uma das mais marcantes, bonitas e empolgantes que me lembro recentemente. Ela consegue explorar cada uma dessas camadas do carismático vilão.

Não que qualquer uma das atuações fique abaixo da performance do protagonista, ao contrário, Robert Pattinson tira qualquer dúvida que poderia pairar sobre a escolha. O ator demonstra todas as facetas do vigilante no começo de uma jornada de ação, como visto em Ano Um, e que evolui na tela, junto ao público, nos revelando cada etapa, em vez de nos contar.

Os encontros com a Mulher-Gato, Selina Kyle, e com o (ainda não comissário) James Gordon demonstram essas evoluções e algumas das escolhas já consagradas, como nos acostumamos. Bifurcações e decisões que tornam este Batman cada vez mais próximo de um herói de capa que é a marca do gênero.

Se Bruce Wayne é menos explorado neste longa, nos momentos em que ele é exposto em tela, nos é apresentada a versão de um jovem recluso, com dificuldade de sociabilização e até mesmo com um certo grau de fotossensibilidade por viver tanto na noite. Características que condizem com aquele órfão, que prefere ficar em casa e se aprimorar ao lado do mordomo veterano de guerra.

Como forma de aproveitar esses aspectos, os criadores aproveitam a forma introvertida da identidade secreta, para deixá-lo ainda mais violento e brutal nas interações com qualquer “valentão” que enfrenta na rua, usando o capuz como uma forma de extravasar todas as frustrações que Bruce desenvolve. A trama também é inteligente ao costurar o milionário em problemas que o tiram da zona de conforto, como os momentos em que são apresentadas as novas camadas da relação dele com os pais – que, graças ao bom Deus, não vemos morrendo no beco escuro. Este trauma é, inclusive, muito bem explorado utilizando outro órfão como válvula de escape.

Os traumas, aliás, são o fio condutor da história. Do protagonista ao vilão, todos os problemas são explorados, desde o passado até eles se transformarem e trilharem os respectivos caminhos. Talvez este seja o principal ponto de conexão com o momento atual. Todos temos, mas a forma como lidamos com eles, e transparecemos isso para o mundo, é o que nos torna o que somos hoje. Seja na força de um vigilante mascarado, que ajuda a polícia em investigações de crimes, ou na figura de um terrorista digital que ataca a cidade em busca de uma “mudança real”; conseguimos visualizar cada um dos resultados finais na nossa realidade.