Cinema

Thor: Amor e Trovão | Crítica

servido por: Caio Sandin

De todos os heróis da Marvel, o que teve a trajetória mais tortuosa desde o lançamento do universo cinematográfico da editora, com certeza, foi Thor. O Deus do Trovão, tal qual um jovem adolescente, já teve as fases prepotente, filosófica e até “dark”, mas tudo mudou quando um “amigo” o conduziu para uma nova realidade e o apresentou para novas ideias, mais abertas, leves e coloridas. Amor e Trovão é o ápice desta nova descoberta, deixando para trás qualquer resquício sombrio e se abrindo de vez para tudo de bom que pode acontecer; flertando, não tão de leve, com a galhofa e as comédias românticas de décadas atrás.

Se o título e os trailers já davam indícios de que o filme brincaria com a estética e com clichês dos clássicos da Sessão da Tarde dos anos 80, o longa nos mergulha nesta jornada, ao som de muito Guns N’ Roses e pérolas do rock. Além de uma trama leve, esperançosa e cheia de romance meloso, para deixar os diabéticos em alerta, o diretor Taika Waititi aperfeiçoa o molde que usou em Ragnarok e abusa das piadas para entregar um roteiro que nos guia, junto ao Thor, por um caminho de descobertas e evolução — simples, mas eficaz.

A abertura dada pelos produtores da Marvel ao neozelandês é quase sem precedentes, em uma franquia que costumava conduzir todos os filmes sob rédea curta, dando pouca ou quase nenhuma liberdade para criadores, como vimos quando Edgar Wright deixou o comando de Homem-Formiga.

O diretor/roteirista/produtor/ator abraça essa confiança e traz toda a trajetória dele na comédia para o centro da narrativa… e parece ligar pouco para qualquer crítica que poderia vir pela trama rasa ou pelos possíveis problemas nos personagens. Tamanha é a pessoalização, que ele pega para si, por meio do Korg, o cargo de narrador e, de forma inteligente, a leva para dentro da diegese como um contador de histórias para as crianças asgardianas. E é este relator quem nos faz um rápido resumo dos últimos fatos envolvendo o Deus do Trovão e, durante toda a projeção, nos atualiza de momentos-chave.

Mas o longa também entende quando é necessário mostrar os fatos importantes, para dar o contexto e o peso necessários para certos personagens, principalmente com o vilão Gorr, o Carniceiro dos Deuses. Tanto que é ele quem abre a narrativa, antes mesmo da tradicional logo com música do Marvel Studios. E, se nas mãos de um ator menos talentoso, o pouco desenvolvimento e escasso tempo de tela poderiam comprometer o desenrolar do antagonista, Cristian Bale consegue extrair tudo o que é necessário para gerar o temor esperado de um inimigo, além de vender cada decisão e ação de maneira em que a audiência consiga compreender e, se não empatizar, ao menos entender as motivações para cada uma das escolhas.

Outro papel que preocupava, devido a um retorno depois de algum tempo afastada, é Jane Foster. E se a reapresentação e desenrolar iniciais vão aos trancos e barrancos, usando de piadas para explicar fatores importantes da narrativa, quanto mais tempo passamos com a doutora, mais aprofundadas ficam todas as relações e fatos que a fizeram optar pelos caminhos escolhidos. A força de Natalie Portman quando empunha o Mjölnir — vide o tamanho do braço da moça — só é superada pela atuação entregue nos momentos em que está longe do martelo, fazendo as provocações certas para cada momento e elevando uma personagem que passou de donzela em perigo para poderosa, a toda complexidade que já sabemos que a atriz é capaz de entregar. Destaque para as — poucas — interações com a Rei Valquíria.

Mas, como já disse no início deste texto, esta é uma comédia ROMÂNTICA, ou seja, o romance tem que se destacar também, caso contrário, o título AMOR e Trovão não faria o menor sentido. Pois bem, intrépido leitor, tudo o que o filme tem de méritos pelos desenvolvimentos que citei acima, ele também merece de crédito por mergulhar, sem medo de ser feliz, na breguice dos longas melosos. A decisão é divisiva e tende a desagradar muitos, mas não se pode dizer que Taika não sabe o que faz quando lhe dão liberdade. Tudo são opções. Desde as falas trocadas por amigos e interesses românticos, até os momentos em que eles serão interrompidos — até mesmo as cabras gritadoras são escolhas dele.

Principalmente durante os flashbacks, a impressão que fica é a de que estamos, realmente, ligados em algum filme desconhecido das tardes nos canais abertos. E isso não é necessariamente ruim. Taika nunca foi conhecido por entregar filmes medianos, que são insossos. Ele provoca a audiência e a leva para uma viagem muito própria. Se você embarcar com ele na jornada… ótimo, aproveite a viagem. Caso não seja o caso, triste, mas ele não vai parar para lhe esperar.

Tendo isto em vista, provações a deuses e mitologias são constantes e nem mesmo os mais poderosos escapam. Tudo pela piada, mas nunca ofendendo. Thor, como protagonista, acaba sendo o maior alvo deste mote. As inseguranças, fraquezas e temores do vingador mais poderoso são escancaradas e feitas de piada a todo momento. Até mesmo a relação conturbada com o atual e o ex-martelo são postas à prova durante as duas horas deste quarto longa do herói. Mas as feridas sempre são abertas em busca de uma cicatrização futura. Rimos da base trêmula para podermos entender o momento em que ela se consolida, ao fim da jornada.

E assim, imbuído da nostalgia, também parafraseio um clássico para dizer que ao fim, “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. Todas as piadas, apresentações, narrações e romances nos guiam até um final empolgante, interessante, diferente e extremamente condizente com tudo o que foi construído nas horas anteriores. O ápice do que o diretor construiu nesta pequena duologia.

P.S.: o filme possui duas cenas pós-créditos que são, com facilidade, as mais legais, interessantes, intrigantes e instigantes desta Fase 4 do MCU.