Cinema

A Brigada da Chefe | Crítica

servido por: Ronald Johnston

Vou alterar a abordagem inicial…

Porque, antes de tratar dessa produção francesa, preciso comentar uma situação bem rotineira por lá.

Quando mencionamos fluxo migratório, impossível não lembrar da França.

Afinal, as consequências no país são bem conhecidas: racismo e xenofobia.

A presença da extrema direita lepenista reforça e ampara esse discurso…

Como quando Marine Le Pen demonstrou aversão à imigração ao defender a deportação imediata dos ilegais.

Precisava desabafar sobre essa questão séria e urgente!

Fora que este assunto está sempre em evidência, até mesmo eventos esportivos, como recentemente, durante a Copa do Mundo…

Les Bleus em campo e você observa um tanto de jogadores com famílias oriundas de países africanos: Mbappé, Dembélé, Camavinga, Tchouaméni, etc.

Até o atual vencedor da Bola de Ouro, Karim Benzema, cortado por lesão, é um desses…

Isso também está presente em A Brigada da Chefe… porém o futebol é mostrado como fonte de esperança de um único jovem…

Já os outros encontram uma chance na cozinha… sim, a culinária!

Quando a protagonista assume a função de chef em um abrigo de imigrantes, a comida passa a desempenhar um papel transformador na vida dos garotos que sonham em se firmar na sociedade do biquinho.

O cinema não vai parar de investir em casos assim… provavelmente nunca.

Uma turma desamparada, que precisa de algum tipo de ajuda (mais emocional inclusive), acaba encontrando uma luz no fim do túnel numa figura destemida.

Variação sobre o mesmo tema. Mas que encaixa bem aqui, muito em função do talento da Audrey Lamy.

Ela e o diretor Louis-Julien Petit já estavam envolvidos com o assunto no longa anterior, As Invisíveis.

No título da vez, temos um grupo de adolescentes, refugiados oriundos de lugares diferentes, moradores de um centro comunitário de amparo.

No cerne da narrativa, uma sous chef de fortes princípios que, apesar das habilidades gastronômicas, precisa calçar as sandálias da humildade.

Com o intuito de juntar dinheiro para realizar o sonho do próprio negócio, é atraída por um anúncio de jornal no qual se busca uma cozinheira. Chegando no local, no entanto, descobre que o emprego não era nada do que foi relatado: em vez de comandar um restaurante sofisticado, a vaga é para cuidar do refeitório de um abrigo.

O que vemos na telona é justamente o choque entre esses dois mundos…

Mesmo detestando a nova função, Cathy Marie acaba ficando na instituição e, aos poucos, vai se envolvendo com desejos e frustrações daqueles meninos, como o encantador GusGus (Yannick Kalombo). Sem esquecer da simpática (até em demasia) Sabine (Chantal Neuwirth), professora dedicada.

Dentro das possibilidades orçamentárias, Lorenzo (o fantástico François Cluzet, de Intocáveis) se vira nos 30. O objetivo principal do administrador é conseguir que eles sejam escolarizados antes da maioridade para que, assim, não sejam deportados.

Só que o sofisticado é questão primordial para a recém-chegada, que, de imediato, estranha a simplicidade, especialmente dos ingredientes. A trilha é bem utilizada justamente para brincar com isso, ao inserir música erudita enquanto os pratos são montados, por exemplo. Enquanto que os “clientes” só querem comer… prezam mais a quantidade do que qualidade.

Observação:
Há ocasiões em que devemos desativar o modo “descrença” e aceitar a “viagem” proposta… como a possibilidade de sustentar, financeiramente, essa transformação com um orçamento de oito euros por cabeça. Obrigado, por nada.

Incapaz de conseguir alimentar o batalhão, a solução é agregar alguns deles como ajudantes. E é a partir daí, com a hierarquia – o próprio regimento em destaque –, que acontece a conexão.

O roteiro se estrutura bem nas relações de proximidade e conflito.

O temperamento ditatorial e nervoso, aos poucos, se molda para uma verdadeira cumplicidade e companheirismo… uma vivência afetiva e pedagógica, já que precisa ensinar tudo do zero, do corte da chalota à apresentação do menu.

Alguns, como Mamadou (Amadou Bah), sonham em seguir a profissão após o contato diário com a profissional.

Ressalto que são sequências genuinamente emocionantes.

Mas vamos aos problemas…

Um é de praxe…

O título em português é confuso… optaram por essa grafia com E no fim da palavra, como chefe de algo… brigada por si só já daria esse tom. Eu mesmo me enrolei ao mencioná-lo no dia da sessão.

Mas o ritmo me incomoda também… tudo é trabalhado tão rapidamente, parece que tem pressa em contar essa trama, definir e desamarrar os embates…

Uma correria desenfreada em concluir um ponto e passar para o seguinte. Acaba por prejudicar a empatia que está sendo criada na sala.

Precisava daquele tempinho especial… para direcionar o olhar do espectador e definir nosso grau de envolvimento coletivo com o que é mostrado em cena.

Essa ligação se faz necessária.

Mas não.

E oportunidades valiosas para expandir certos subtemas acabam perdidas.

Os coadjuvantes não possuem um destaque igual. Mas, convenhamos, não é simples distribuir o tempo de tela.

E o clímax apressado?

No final, dá um salto e vai parar num lugar que não fazíamos ideia de ser uma possibilidade.

É tudo arremessado na tela e você que se vire para absorver.

Entretanto, a força do argumento discutido se sobrepõe a essa tecnicalidade.

Sei que tentaram fazer da maneira mais sensível e amorosa possível, perceptível. Mas acaba decepando algumas motivações de personagens.

Não tiro o mérito, mas vocês buscam a verdade e eu entrego, rs…

Apesar da pitada amarga, representada pela dramática realidade dos que vivem na ilegalidade, é uma iguaria agridoce com grãos de esperança.

Ainda que sinalize, no encerramento, que nem todos obtiveram sucesso (isso foi especial, porque a realidade é muito grave), mantém a vocação positiva.

Isso mostra que não estamos diante de uma obra alienada, das que se restringem a transformar dor em motivação. O cineasta traz luz para a dureza do dia a dia.

Uma crítica social dotada de otimismo e alegria… em que não é nem um pouco complicado, ou fastidioso, se conectar com o carismático batalhão e os respectivos desafios.

E para a pergunta fundamental, “é bom?”, só existe uma resposta: “Sim, chef”.