Cinema

Os Fabelmans | Crítica

servido por: Caio Sandin

Por que gostamos tanto de filmes? 24 imagens passando na nossa frente a cada segundo, diálogos que narram histórias de heróis improváveis e seres fantásticos que nos fazem mergulhar em um universo jamais pensado, com uma trilha que acelera os nossos batimentos, arrepia cada parte do nosso corpo e nos deixa inquietos em nossas poltronas. Não é preciso mais de um segundo para criarmos empatia por personagens que nunca vimos antes, para desejarmos estar na pele daquele sujeito ou nunca mais encontrá-lo na vida. Um segundo. E se existe uma pessoa que é um verdadeiro mestre em criar estes segundos e nos gerar toda sorte de sentimentos em frente a uma tela, esse alguém é Steven Spielberg.

O diretor consegue conduzir o espectador pela tensão, alegria, apreensão, medo, entusiasmo e paixões que os personagens passam e faz com que, por algumas horas, aquilo seja a coisa mais importante de nossas vidas. Não seria diferente na vez em que ele decidiu contar a história da própria vida. E do amor dele pela sétima arte.

Os Fabelmans é um retrato pessoal de uma família disfuncional, que se vê desafiada a cada nova mudança proporcionada pela decolagem da carreira do pai. Se ele é o gênio da computação, no princípio da era em que os aparelhos se tornam cada vez mais parte de nosso cotidiano, a mãe se torna a mistura da “dona de casa que cuida dos filhos”, que possui talento para as artes, no caso em questão, o piano. E aí está o principal conflito: Arte contra Ciência, ou como diz um tio que surge no meio da trama: Arte x Família. Estabelecido desde a primeira cena do longa, nela o cineasta também já demonstra a predileção por um dos lados desta balança.

E são estes dois lados que moldam o jovem Sammy a levar o hobby de filmar tudo adiante. Seja pelo aspecto artístico, que tais gravações fazem aflorar no jovem, ou pelo lado da diversão, que envolve facetas tecnológicas que podem despertar a paixão pelo desenvolvimento de novas máquinas no futuro.

Cheio de referências e reverências aos filmes, cineastas e escolas que ajudaram a moldar o cinema de Spielberg, a jornada por meio da própria juventude nos transporta desde a criança inventiva que produzia faroestes com os colegas escoteiros até o vídeo de formatura da “Classe de 1964”, passando pelas relações com garotas e conflitos na escola.

Mas o centro das atenções é mesmo o núcleo familiar, especialmente a relação com a mãe, que luta contra os próprios demônios e tenta se manter impávida, em meio a uma sorte de mudanças, e que vai se desgastando e se vendo cada vez mais opaca e sem a luz que nos é apresentada no primeiro terço do longa. É dela que surgem os principais momentos de impacto direto com o nosso protagonista, já que cria as dificuldades pelas quais ele deve passar, além de gerar os questionamentos que fazem com que ele se movimente e siga adiante.

As atuações de todos os envolvidos no projeto dão conta da grandiosidade do que se está retratando. Parece que cada um dos atores sentiu a responsabilidade e abraçou com toda a força a oportunidade. Seja entre o trio central, que carrega toda a polarização apresentada no filme, até os menores dos papéis, como o bullying da escola ou a garota do primeiro beijo, passando pelo amigo/tio e toda a família.

Além disso, a trilha sonora de John Williams, como sempre, vale o destaque positivo. Nesta última colaboração da carreira com o parceiro de 50 anos, com quem compôs algumas das músicas mais icônicas da história do cinema, o maestro demonstra porque fará tanta falta depois de se aposentar. Os temas são sensíveis e sutis quando assim precisam ser e empolgantes e marcantes nos momentos em que a história necessita desta força.

Com momentos cômicos que arrancam gargalhadas da audiência, leveza e doçura para retratar uma paixão arrebatadora e o peso narrativo para apresentar dramas de maneira complexa e tangível, Spielberg mostra que ainda é um dos melhores criadores para esta arte que tanto nos apaixona, com a capacidade ímpar de contar histórias que geram empatia e fazer com que aqueles personagens sejam as coisas mais importantes do mundo para nós durante aquelas duas horas e meia. Os Fabelmans é o motivo pelo qual gostamos tanto de filmes.