Cinema

O Pior Vizinho do Mundo | Crítica

servido por: Ronald Johnston

Não exagero ao afirmar que Tom Hanks, atualmente, é uma espécie em extinção: um dos últimos astros genuínos de Hollywood…

É tempo de vacas magras quando buscamos referências desse tamanho…

Especialmente desde Forrest Gump — O Contador de Histórias, não é um nome que precisa de apresentação…

O cara mais legal do planeta!

E por isso é interessante vê-lo em projetos tão distintos, num curto intervalo: como o odioso Coronel Tom Parker em Elvis e, agora, o rabugento Otto em O Pior Vizinho do Mundo.

Inspirado no best-seller Um Homem Chamado Ove, do escritor Fredrik Backman, o filme dirigido por Marc Forster já é um remake da produção sueca de Hannes Holm, lançada em 2015 e indicada ao Oscar.

Aqui, aquele que já interpretou Walt Disney não vive um bondoso imigrante que está “preso” em um aeroporto ou um corajoso piloto que evita uma catástrofe aérea com uma manobra arriscada…

Otto Anderson poderia facilmente ser descrito como o amargurado Ebenezer Scrooge de Um Conto de Natal, clássico de Charles Dickens.

Ranzinza, mal-educado e insensível são alguns dos adjetivos que lhe caem bem… e a situação só piora com a aposentadoria forçada, logo após a morte da alma gêmea. Sozinho e com mania de organização, passa os dias somente mantendo a ordem na vizinhança, ameaçando qualquer morador ou intruso que atrapalhe a rotina do local.

Quando o conhecemos, já está julgando as pessoas por vários motivos, desde cachorros fazendo xixi no gramado até entregadores estacionando vans na rua.

Obcecado, patrulha diariamente e, ao menor sinal de descuido, sai “cuspindo marimbondos”, encerrando as frases com grunhidos que mais parecem um tique de Clint Eastwood.

Um homem deprimido, que não vê mais sentido algum em continuar vivo.

Mas existe um plano em andamento…

Ele pretende morrer, mas não consegue. A primeira tentativa é por enforcamento… cuidando dos mínimos detalhes, já que nada pode sair errado, é golpeado pelo destino (uma tremenda queda!): não é páreo para a fragilidade do gesso.

E assim continua tentando encerrar a própria angústia…

Mas isso começa a mudar quando Marisol chega com marido e filhas para a casa em frente.

Embora relute em amenizar esse temperamento difícil, mesmo assim, acaba se aproximando da matriarca de forma bem peculiar… o que se transforma numa amizade capaz de fazê-lo enxergar o lado bom da vida.

À primeira vista, o longa aparenta ser mais uma comédia com aquela velha narrativa de redenção.

Um ser detestável, uma família feliz que vai alterar a perspectiva do dito cujo e uma motivação surpreendente que vai mostrar para você o porquê dele odiar tanto o universo daquela maneira.

E, sim… acontece exatamente tal qual o esperado, mas é o magnetismo do protagonista que garante uma pontuação extra para a adaptação.

Enquanto a da Suécia optou por um tom mais dramático, embora tenha pitadas de humor, esta versão aposta nas risadas para conquistar o coração do público…

A excelente performance de Hanks faz transparecer todos os conflitos daquele senhorzinho, que, ao longo da trama, vão se mostrando bem mais profundos do que um simples mau-humor matinal (que dura 24 horas).

E a dinâmica com Mariana Treviño tem que ser destacada. A atriz é uma surpresa pra lá de agradável e, em muitos momentos, ela até se sobressai perante o veterano, demonstrando um entusiasmo contagiante.

O elenco de apoio entrega atuações seguras como a pequena comunidade suburbana que luta contra a expansão agressiva de uma construtora, mas é o roteiro de David Magee que carrega o peso emocional.

Sem pregar um modo certo de se sentir o luto ou de superá-lo, o script busca explorar formas de manter aqueles que perdemos por perto. Essa ideia, já rotineira em outros títulos de perdas familiares súbitas, é desenvolvida delicadamente para dar, aos espectadores, uma experiência digna de uma intensa sessão de terapia.

Às vezes, até se escora demasiadamente na competência do multipremiado artista, quando é necessário assumir uma entonação mais sombria, por exemplo.

Como já abordei, em ocasiões distintas, tenta cometer suicídio, falhando — comicamente — sempre. Por mais desconfortável que seja vê-lo buscar o fim, a conclusão dessas sequências traz um alívio.

É tocante, feito sob medida para arrancar lágrimas (chorei litros)…

Mas básico em muitas intenções.

Embora insista em se isolar, temos a certeza de que, antes do último ato, o vizinho vai baixar a guarda para os antigos e novos amigos. E, ainda que isso seja previsível, o jeito como vai de “velho insuportável” a “tiozão da galera” guarda caminhos emocionantes, todos pautados pela influência da companheira (Rachel Keller), onipresente mesmo após o falecimento.

Por mais que, inicialmente, pareça impossível entender por que tanta gente (incluindo um gato) tenta preservar uma convivência próxima com a criatura, o diretor cria relações críveis, em um ritmo que, apesar de dinâmico, não apressa o desenrolar do enredo.

Até achei inchado a princípio, com algumas interações irrelevantes que só estão ali para justificar o uso no desfecho.

Porém há uma preocupação e um esforço em fazer atualizações importantes na questão da diversidade. Temas atuais estão presentes, como a agressividade dos gigantes empreendimentos imobiliários, o preconceito contra um trans vivido por Mack Bayda, a crítica aos adolescentes mais preocupados em filmar o salvamento nos trilhos da estação de trem do que ajudar… ainda que o encerramento mostre nosso cabeça-dura se curvando gentilmente ao engajamento da nova geração, quando utilizam as mídias sociais para o bem.

Focado mais em desenvolver os personagens emocionalmente do que apenas levá-los do passo A para o B, o cineasta dispensa falas expositivas, substituindo-os por um artifício fácil de se conectar e provocar envolvimento: flashbacks.

Um acerto, já que não teria a mesma força sermos conduzidos pelas palavras do viúvo que lembra do grande amor.

O problema é que esses breves recuos ao passado sofrem com a falta de aptidão do Truman Hanks (não preciso contar de quem ele é filho)… diferentemente do pai, não oferece mais que uma única expressão. Algo grave quando observamos que a juventude do sujeito é bastante explorada.

Um dos méritos é nunca querer parecer mais “inteligente” do que realmente é. Seja pelo carinho repentino dos recém-chegados ou até pela simplicidade com que soluções aparecem… o objetivo principal é confortar a audiência e não confrontá-la com uma fórmula mágica de superação.

É uma obra competente naquilo que se propõe. Não é revolucionária e sequer tem essa presunção…

Ver o “abuelo” sendo ranheta enquanto imita a voz de um urso para alegrar aquele instante das duas crianças é tudo que precisamos no cinema.

Nesse episódio, aprendemos que nem mesmo a rabugice é capaz de apagar o carisma… e um gatinho fofo seduz e coloca um sorriso no rosto do birrento.