Cinema

Triângulo da Tristeza | Crítica

servido por: Ronald Johnston

É um daqueles títulos que passa despercebido por uma galera e acaba sendo descoberto por causa do Oscar.

Não à toa, depois das três indicações, incluindo Melhor Diretor, Filme e Roteiro Original, o longa vem despertando curiosidade com uma trama bastante particular… provocante.

Digo isso porque essa sátira toca em feridas da nossa sociedade e de nós mesmos, com um humor demasiadamente ácido.

É uma comédia e, simultaneamente, um drama que aponta para o quão distantes estão os ricos dos pobres operários.

Sem muito rodeio, podemos dizer que é uma produção que discute, numa forma até bem sarcástica, as relações de trabalho…

E brinca com a ideia da luta de classes.

Você certamente já escutou esse conceito nas aulas de história ou sociologia, mas é diferente quando enxerga na prática.

“Deixa de enrolar e me diz logo sobre o que é!”

OK!

O que, a princípio, parecia uma viagem perfeita de navio termina catastroficamente, com os sobreviventes isolados numa ilha “deserta”…

Afinal, quem detém o poder realmente: aquela minoria com dinheiro em excesso ou a massa trabalhadora que faz as engrenagens do mundo girar?

Inclusive, retirando o chão de fábrica da equação, a própria existência dessa elite é ameaçada.

Antes, porém, a aristocracia embarcada quer relaxar, curtir aquele luxo e mordomia que o poderio financeiro pode comprar.

E eles contam com uma tripulação treinada para servi-los no que for preciso.

É escrito e dirigido por Ruben Östlund, que faz essa brincadeira com estereótipos de uma maneira irônica, colocando todos em situações chocantes, seja para evidenciar o discurso ou impactar divertidamente.

Conferindo a maioria dos projetos dele, nem ficamos surpresos com essa abordagem.

Na introdução, após pagamento de uma conta exorbitante, uma DR relembra o duelo silencioso que é a marca desse cineasta em Força Maior, por exemplo.

São frases simples, curtas, que vão além de transtornos na rotina dos modelos.

Funcionam devido à angústia criada pelo silêncio. A vontade de chacoalhá-los, para falar tudo que deveria ser dito.

Esse interesse em salientar hipocrisia e conflito, sobretudo de gênero, ultrapassa o nível superficial.

A redundância acontece principalmente na metade, que mira nos passageiros do barco e os respectivos absurdos…

Representam símbolos: os simpáticos ingleses, nomeados em homenagem ao casal Churchill, comerciantes de explosivo e o russo anticomunista que vende merda (fertilizante)…

Sem esquecer nossos protagonistas influencers, convidados para essa jornada.

Algumas figuras que formam esse microcosmos do sueco.

As apresentações e interações são ridiculamente cômicas.

E dá resultado até desembocar numa sequência interminável de escatologia.

Explicando…

No início, parece o paraíso para os “poderosos”, mas a virada começa quando são atingidos por uma tempestade durante um jantar e têm graves crises de enjoo.

Não é que a ferramenta da nojeira seja gratuita (“ibagens” proibidas).

Existe uma harmonia com a podridão destes indivíduos e os efeitos dos próprios exageros.

E enquanto Östlund demonstra habilidade afiada de transmitir o incômodo, porque a câmera permanece irrequieta, juntamente ao balanço pelo mar agitado, fica difícil se conformar com uma eternidade (monstruosa) que é aquele instante.

Passados os longos minutos, no entanto, ganha força novamente.

O contexto vai piorando e se inicia uma batalha pela sobrevivência, com as hierarquias redefinidas, usando graça para criticar esse sistema desequilibrado onde vivemos.

Ora, que surpresa, justamente quem está acostumado com o esforço braçal do cotidiano é que se mostra apto a resistir…

Obriga uma mudança drástica nessa pirâmide de comando que era imposta.

Imagina fazer isso com um elenco que é pouco conhecido…

Woody Harrelson é a ostentação da película, como o peculiar capitão alcoólatra e “marxista” da embarcação, mas que tem pouquíssimo tempo de tela.

Mesmo assim, o diretor conseguiu personificar um comportamento descomedido ao extremo (contudo verídico) nesses ilustres desconhecidos e esse contraste prosperou.

O destaque vai para Dolly de Leon, atriz filipina que interpreta Abigail, camareira-chefe do cruzeiro. Ela aparece apenas no terceiro ato, mas definitivamente rouba a cena.

Na conclusão, o cenário joga os personagens em um tabuleiro zerado, uma oportunidade para explorar a dinâmica entre pessoas retiradas do habitat natural.

A diversão se manifesta nas infantilidades do grupo de incompetentes…

Mas é aí que a obra encontra uma vitória, ao ancorar-se em performances.

Yaya e Carl, que nos acompanham desde o começo, brilham intensamente na reta final.

Então se você gosta de saber quais são os filmes aclamados anualmente nas premiações cinematográficas, assista.

Conquistou a Palma de Ouro em 2022!

Além disso, também foi lembrado no BAFTA, Critics Choice Awards e ao Globo de Ouro, sem mencionar outros prêmios menos badalados para o grande público.

“Ah, nenhum escapa ileso de ti, Ronald!”

Verdade, queridíssimo leitor…

Temos problema!

É inegável que provoca emoções, mas a dificuldade de despertar desconforto com uma paródia repetitiva (trivial demais) só triunfa em momentos pontuais e atuações.

Abandonando o desejo inicial no campo da pretensão.

Nada complicado, diga-se de passagem…

Mas, numa época de White Lotus e, especialmente, Parasita, Triângulo da Tristeza precisaria desenvolver mais do que nos entregar caricaturas para sobressair como crítica social.