Cinema

Os Banshees de Inisherin | Crítica

servido por: Ronald Johnston

À primeira vista, Os Banshees de Inisherin parece ter a tradicional prepotência que o Oscar costuma valorizar…

1) É um filme europeu de nome difícil.

2) Inteiramente carregado por diálogos.

Mas seria injusto desmerecê-lo assim…

Significaria ignorar um conto divertido sobre amizade, legado e propósito.

Antes de entrarmos em território delicado, vale a pena entender onde, historicamente, se localiza.

A produção se passa em 1923, nos momentos finais da guerra civil irlandesa, numa ilha fictícia…

Apesar de, no país, os conflitos armados estarem desenrolando, o lugar se vê distante dos tiros, explosões e mortes.

A partir daí, podemos abordar os amigos de longa data em atrito…

Esses dois formam uma dupla improvável, que se encontra diariamente, no mesmo horário, para papear e beber algumas cervejas.

Uma rotina…

Só que a parceria termina por causa da decisão abrupta e unilateral de um deles.

Compositor, Colm Doherty decide que está desperdiçando precioso tempo na companhia do ex-camarada.

Quer realizar algo ambicioso com a própria vida.

E, quase como num passe de mágica, um dia, ele não deseja mais que o, agora, ex-parceirão lhe dirija a palavra…

Nem quer ouvir a voz!

Atônito, o modesto criador de gado não tem noção do que está acontecendo…

Custa a acreditar que é sério.

As explicações não fazem sentido…

Sem compreender a razão, um tanto quanto arbitrária, num turbilhão de dúvidas, Pádraic Súilleabháin busca assimilar as motivações do rompimento, empenhado em salvar essa relação que, por anos, foi vital para o destituído nessa longínqua localidade.

No entanto, esse impasse inesperado trará consequências caóticas para ambos.

Um dilema particular que se torna a grande confusão do povoado.

Esse entrave se desabrocha de forma impressionante, já que Martin McDonagh transforma o nada em tudo diante dos nossos olhos.

Inicialmente, os comportamentos parecem exagerados e dramáticos demais.

Afinal, um músico não pode abrir mão de manusear o próprio instrumento num período em que está compondo.

Do lado oposto, é inevitável não pensar que devem existir novos colegas por aí.

Mas somos capturados pelo embate conforme as ações se tornam alarmantes.

À medida que um age, o outro reage…

Seguindo para uma série de situações grotescas, estranhas, engraçadas e tristes, ganhando traços cada vez mais dolorosos.

As investidas no humor ácido têm êxito, como quando o cachorro carrega a tesoura para fora da casa.

Dirigido e roteirizado por McDonagh (Três Anúncios para um Crime), o trio se reúne novamente, trazendo à tona a química de Na Mira do Chefe, que recebeu apenas uma indicação em 2009.

Um retorno às raízes “leprechaunianas”… (viajei, ciente!)

O cineasta tece uma teia paciente e constante, que lentamente mostra se tratar de um caso melancolicamente insensato sobre… desfechos.

É uma comédia bizarra. As risadas não vêm como se espera, mas de maneira perspicaz.

Vamos trocar uma ideia sobre Colin Farrell??

Um dos profissionais mais versáteis e habilidosos da atualidade.

Apesar de inegavelmente bom ator, a carreira é marcada por altos e baixos.

Fato!!

“Lá vem o Ronald destruir Daredevil…”

Seria verdade se eu não tivesse curtido a caracterização do Mercenário, mas gostei (podem me fuzilar!!).

Inclusive os vilões (saudade, Michael Clarke Duncan) são o mérito desse “treco”.

Voltando…

No currículo, se nos presenteia com O Lagosta, paralelamente, Alexandre também está lá… tremenda gangorra!

Não vou desvalorizar o ótimo Pinguim, malfeitor dos quadrinhos, que ele entregou recentemente (obrigado, Matt Reeves!!)… achei primoroso!

E, sim, definitivamente, esse é mais um “alto”.

Pádraic é um dos maiores acertos do longa!

Exibindo uma vulnerabilidade emocional rara de se deparar na maioria das interpretações dele, Farrell consegue fazer com que a audiência simpatize com um tipo ao qual, normalmente, mantemos distância: o perdedor.

Com uma atuação que recorre a microexpressões totalmente calculadas, o trabalho é um baita sucesso.

Sotaque arrastado, semblante franzino, amuado e tristonho, se converte na tela em um rapaz simples, de limitado conhecimento, mas com coração enorme.

Inocente, pouco instruído e determinado a recuperar o único comparsa, nos faz comprar essa saga fadada ao desastre.

A performance dele deixa Brendan Gleeson brilhar ainda mais como um rabugento turrão em crise enfrentando o fim esquecível da própria existência.

Uma dor silenciosa…

E observar toda essa exaustão do Gleeson é igualmente admirável.

Enquanto um almeja ser reiteradamente o cara legal da vila, Colm não faz questão alguma de dar satisfação para quem for… tomando até mesmo caminhos drásticos que nosso protagonista não aceita no decorrer da trama.

O sentimento de fracasso ao não ter realizado uma façanha que será lembrado é certeiro…

A música que compõe ao longo da ficção é uma tentativa desesperada de um rumo na deprimente vivência.

A canção, diga-se de passagem, autointitula o longa-metragem.

Desempenho digno de reconhecimento (estatueta).

Se eles são responsáveis por construir o enredo, outras figuras como Kerry Condon (Siobhán Súilleabháin, a irmã lúcida) e Barry Keoghan dão um tempero necessário, tornando-se impossível não citá-los.

Aliás, a atriz, inspirada, aproveita cada chance.

Sonha com uma fase que seja digna do respectivo intelecto aturando o irmão sem filtro.

Ela percebe que a situação é muito mais séria do que só uma birrinha infantil.

O afetado e sombrio jovem Dominic Kearney (Keoghan) ajuda a intensificar essa rivalidade.

É possível passar horas falando a respeito dos papéis marcantes.

Menção honrosa a Jenny, que nos conquista sem esforço…

Destaco o elenco porque é uma aula de texto.

É notável como o diretor cria tantas nuances para esses personagens caricatos.

Equilibra bem riso e choro…

Manifesta a divergência entre ambições e pequenos prazeres cotidianos.

Desperta, no espectador, a reflexão: qual é o segredo para uma jornada significativa?

E como conciliar se porventura duas pessoas têm respostas diferentes para essa pergunta?

Essa premissa se oferece visivelmente a uma narrativa do absurdo.

Salpicando sacadas cômicas em meio a circunstâncias tão constrangedoras, arranca uma despretensiosa gargalhada.

E talvez a riqueza esteja nessa facilidade em se tornar memorável na nossa mente sem sequer notarmos.

A excêntrica ambientação logo se prova fundamental para essa criação funcionar.

Além das paisagens impactantes, com campos verdes, praias melancólicas e chalés rústicos, a compacta comunidade faz pressão para uma resolução da treta.

É a típica vizinhança repleta de enxeridos, que acabam envolvidos nessa intriga pessoal por conta da curiosidade.

De longe, moradores escutam o barulho e assistem à fumaça dos canhões, sem muita importância, somente para as belas escolhas musicais do Carter Burwell (também indicado) confirmar esse cenário bucólico da discussão.

Bebida no pub (Guinness!), casacos de lã, a velha bruxa, animais domésticos, hábitos de uma cultura rudimentar que grita uma Irlanda rural.

É uma pintura hipnotizante.

Um prazeroso delírio cinematográfico!

Com uma direção de fotografia impecável (Ben Davis não está concorrendo!!), percorremos os vales e montanhas sob essa perspectiva poética.

Digo mais… o clímax anunciado é surpreendente.

Resumindo… está com moral no bolão!

Em Veneza, foi aplaudido de pé por pelo menos 12 minutos…

O que permitiu chegar com força ao Globo de Ouro, para sair como vencedor da noite.

Na premiação do Oscar, se credencia a diversificar essa coleção… são nove categorias (incluindo Roteiro Original, Edição, Trilha Sonora, trinca de coadjuvantes, ás, comandante e o principal da noite).

Talvez um entusiasta que não conheça muitas obras do gênero, ache confuso como a película está sendo divulgada.

Pode ser mórbido rir de um homem cortando e atirando os próprios dedos na porta alheia…

É pela surrealidade da convivência, perfeitamente humana, que o título merece evidência.

Desconfortável, justamente porque não há como superar…

Não existe um manual de instruções para lidar com a mágoa.